terça-feira, julho 31, 2012

Se eu pudesse não ter o ser que tenho

Se eu pudesse não ter o ser que tenho

Seria feliz aqui…

Que grande sonho

Ser quem não sabe quem é e sorri!


Mas eu sou estranho

Se em sonho me vi

Tal qual no tamanho

O que nunca vi…





Fernando Pessoa

quarta-feira, julho 25, 2012

Se se morre de amor!

Longa e linda.



Se se morre de amor! — Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n’alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve, e no que vê prazer alcança!

Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d’amor arrebatar-nos.
Mas isso amor não é; isso é delírio,
Devaneio, ilusão, que se esvaece
Ao som final da orquestra, ao derradeiro

Clarão, que as luzes no morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D’amor igual ninguém sucumbe à perda.
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração — abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos,
D’altas virtudes, té capaz de crimes!
Compr’ender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D’aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;
Isso é amor, e desse amor se morre!

Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que amor que em nós sentimos;
Temer qu’olhos profanos nos devassem
O templo, onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis, d’ilusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compr’ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!

Se tal paixão porém enfim transborda,
Se tem na terra o galardão devido
Em recíproco afeto; e unidas, uma,
Dois seres, duas vidas se procuram,
Entendem-se, confundem-se e penetram
Juntas — em puro céu d’êxtases puros:
Se logo a mão do fado as torna estranhas,
Se os duplica e separa, quando unidos
A mesma vida circulava em ambos;

Que será do que fica, e do que longe
Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio?
Pode o raio num píncaro caindo,
Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;
Pode rachar o tronco levantado
E dois cimos depois verem-se erguidos,
Sinais mostrando da aliança antiga;
Dois corações porém, que juntos batem,
Que juntos vivem, — se os separam, morrem;
Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,
Se aparência de vida, em mal, conservam,
Ânsias cruas resumem do proscrito,
Que busca achar no berço a sepultura!

Esse, que sobrevive à própria ruína,
Ao seu viver do coração, — às gratas
Ilusões, quando em leito solitário,
Entre as sombras da noite, em larga insônia,
Devaneando, a futurar venturas,
Mostra-se e brinca a apetecida imagem;
Esse, que à dor tamanha não sucumbe,
Inveja a quem na sepultura encontra
Dos males seus o desejado termo!



Gonçalves Dias

Wassily Kandinsky



Palhaço



Tags: Egberto Gismonti; Circense

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


Fernando Pessoa

terça-feira, julho 24, 2012

Penetrália

Falei tanto de amor!… de galanteio,
Vaidade e brinco, passatempo e graça,
Ou desejo fugaz, que brilha e passa
No relâmpago breve com que veio…

O verdadeiro amor, honra e desgraça,
Gozo ou suplício, no íntimo fechei-o:
Nunca o entreguei ao público recreio,
Nunca o expus indiscreto ao sol da praça.

Não proclamei os nomes, que baixinho,
Rezava… E ainda hoje, tímido, mergulho
Em funda sombra o meu melhor carinho.

Quando amo, amo e deliro sem barulho:
E quando sofro, calo-me e definho
Na ventura infeliz do meu orgulho.

Olavo Bilac

A importância de ter vivido eras

Foi a Mara Lúcia Dias quem me indicou esse blog. Mara é mulher antenada, se liga, se conecta, se impõe. Mara sabe dar seus toques.

O post desse blog não é recente. É de novembro de 2010. Isso é bom, porque ele fala exatamente disso. De possibilidades que muitos achavam fora do tempo, passadas, datadas.

O texto fala sobre senioridade. Sobre ficar erado. Não velho, mas erado. Quem passou por eras. A era dos Beatles, a era do rock progressivo, do punk, da discothèque, das músicas dos anos 80, Pearl Jam, U2, Legião, Nirvana e aí vai. Quem assistiu The Wall no Cine Avenida, Blade Reunner, Star Wars. Beleza Americana e O Senhor dos Anéis. Para quem passou por Qualidade Total, 5S, Six Sigma. IBM, Microsoft, Apple, Android. Quem viu Fittipaldi, Pace, Mansel, Piquet, Prost. Quem viu Senna. Borg a Federer. Karpov a Kasparov.

O texto fala de Roberto Marinho, que começou a Globo aos 61 anos. o Post era quando o Niemeyert tinha "só" 102 anos. Por isso é legal. O "seu" Alexandrino Garcia, que criou a CTBC (hoje ALGAR) tinha mais de 50 quando começou com essa coisa. Meu pai tinha 47 quando eu nasci. Já passei dos 50 e estou começando tudo de novo.

Foi a Mara Lúcia Dias quem me indicou esse blog. Mara é mulher diferente. Sem um modelo pré estabelecido, sem um padrão, tipo sistema decimal. Não se mensura.

Quem puder, leia aí. Vai entender a importância dos seniors na vida de todos que estamos aqui. 

[Veja o texto no original clicando aqui]
 

A importância dos Seniors para o Coaching


Li no jornal há alguns dias: pesquisa mostra que a procura por fundos de aposentadoria privada por pessoas de mais de 60 anos cresceu mais de 60% nos últimos 12 meses. O volume de entrada desse público neste tipo de investimento em 2009 foi quase quatro vezes maior que em 2005, com aumento de 310%.

Fácil de entender: beneficiados pelas mudanças científicas, sociais, econômicas e culturais que possibilitaram um envelhecimento mais saudável, as pessoas que sempre foram considerados idosos e já em tempo de aposentar-se, principalmente a partir dos 60 anos, começam a acreditar que a velhice chegará mais tarde e que ainda terão muitos anos de trabalho pela frente, adiando sua aposentadoria para depois dos 70 anos (ou talvez ainda mais tarde).

Esta notícia não me surpreende. São inúmeras as matérias publicadas falando sobre aumento da longevidade com saúde e do conseqüente aumento na vida útil da população. Também não me surpreende que muitas empresas de variados segmentos estejam focando este potencial mercado consumidor, criando produtos e atendimentos específicos para este público. Afinal, a participação dos idosos na economia é a cada dia mais importante. Recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que enquanto a população como um todo cresce à taxa de 0,9% ao ano, o incremento de idosos avança quatro vezes mais (3,8% anuais). Os novos dados do CENSO 2010 deverão mostrar um aumento deste percentual, o que também não surpreenderá.

O que me surpreende é saber que estas mesmas empresas não estão internamente atentas para estes dados. Os processos de seleção cada vez mais privilegiam exclusivamente os mais jovens. Se alguém for perguntar para os responsáveis por estes processos porque eles agem assim, provavelmente receberá como resposta “… queremos formar a futura mão de obra e os futuros líderes…”.

Não é difícil perceber que esta informação não é 100% verdadeira. Segundo informações da ONU, os estudantes de hoje passarão por 10 a 14 empregos até completarem 38 anos. Se formos analisar o turn-over do mundo corporativo brasileiro veremos que, em média, estes  jovens profissionais ficarão menos de 03 anos trabalhando nestas empresas e não serão parte nem do futuro, nem das lideranças das mesmas. A principal razão para mudarem de empresa também é conhecida: sentem-se meio perdidos, desmotivados.  Pergunto: O que está faltando não seria exatamente uma liderança com a experiência que eles não tem?

Quando em 1965 Roberto Marinho fundou a Rede Globo de Televisão aos 61 anos, ele usou sua experiência para tornar-se um dos homens mais ricos e poderosos do Brasil. Na época, ele era considerado uma excessão. A maioria das pessoas de sua idade estavam aposentadas, de chinelos em casa.

Hoje, começar um novo projeto profissional após os 60 anos de idade já pode ser considerado normal: Kenzo Takada, criador da famosa marca Kenzo de produtos de alto luxo, vendeu sua marca há alguns anos e acaba de iniciar uma nova carreira: desenhou as 92 suítes de um hotel boutique nas ilhas Maurício e está lançando uma linha de sapatos masculinos, a KT. Woody Allen está fazendo filmes à cada dia melhores aos 75 anos. Rupert Murdoch, presidente e diretor-geral da News Corporation conquistou o mercado de TV paga nos EUA aos 70 anos e está revolucionando a forma de fazer jornais no mundo aos 79.

Mas, voltemos ao Brasil: aos 59 anos, Washington Olivetto juntou sua W/Brasil com a McCann, criando a WMcCann, que já é a 4ª maior agência de propaganda do Brasil em faturamento. Nossa futura presidente tem 63 anos. Seu opositor no 2o turno, José Serra, tem 68. Ziraldo, aos 78 anos, está desenvolvendo o projeto do longa metragem para seu personagem Pererê. Aos 80 anos, Abraham Kasisnky vendeu a COFAP e  investiu na zona franca de Manaus para produzir motocicletas, criando com grande sucesso as motos Kasisnky.

Querem mais? O empresário Lair A. de Souza está liderando as mais fortes associações de produtores de laranja do Brasil criando a Consecitrus. Ele tem 81 anos. Até setembro de 2009, aos 102 anos, o arquiteto Oscar Niemayer costumava ir todos os dias ao seu escritório em Copacabana para trabalhar no projeto "Caminho Niemeyer", um conjunto de nove prédios de sua autoria (Niterói). Estes são somente alguns de milhares de exemplos.

Some a isso as informações preliminares já fornecidas pelo Censo 2010: houve uma drástica redução da taxa de natalidade e o envelhecimento da população. O número de jovens atingirá, em 2010, seu tamanho máximo, 53 milhões, começando, a partir de então, a diminuir em termos absolutos. "Há informações claras de mudança no padrão demográfico da população brasileira", afirmou o presidente do IBGE, Eduardo Nunes. "O Brasil deixará de ser um país jovem para se tornar um adulto." Segundo informações da ONU, os brasileiros de mais de 65 anos deverão passar de 10 milhões no ano 2000 para 50 milhões em 2050 e os idosos de mais de 80 anos deverão passar de 1,7 milhões para quase 14 milhões no mesmo período.

Se houve esta mudança, porque o mercado não acompanhou esta evolução? É impressionante como algumas empresas insistem em desperdiçar rios de dinheiro em processos de seleção e treinamento, sem dar atenção devida à excelente mão de obra disponível que tem tanto à realizar nas empresas e a ensinar a estes novos profissionais. Estes jovens com pouca ou nenhuma experiência saberão lidar com as mudanças e com os imensos desafios da próxima década, decidindo de forma adequada?

Uma análise que também é válida é sobre a premissa que "a ordem de contratar somente jovens vem de cima". Então vejamos o topo da pirâmide, os que dão as ordens que "vem de cima": segundo o site Canal Executivo do UOL* a média mundial de idade dos CEOs que ingressaram nas empresas no ano passado foi de 52,9 anos, quase dois anos a mais que a média de 51 ao longo da década passada.

Vamos analisar outro dado bem interessante sobre este tema: Quase 20% dos CEOs no mundo todo já ocuparam o cargo mais alto em outra empresa anteriormente, praticamente o dobro da média mundial de 9,8% verificada em anos anteriores. No Brasil, essa proporção é muito maior: 46% dos CEOs que assumiram em 2008 já apresentavam experiência prévia no cargo. Em 2009/2010 este número seguramente subiu.  Em outras palavras: as empresas já se deram conta que os mais capacitados para o cargo máximo do board são os profissionais com mais de 50 anos e com experiência. Muitos deles tem na verdade mais de 60 anos...

Caramba, como estamos atrasados em relação ao resto do mundo. Segundo o que foi constatado pelos pesquisadores da Associação Patronal Suíça, em breve as empresas serão obrigadas a incentivar seus funcionários de mais de 60 anos para que eles continuem a trabalhar. “Se as empresas não seguirem essa tendência, elas correrão o risco de perder conhecimentos preciosos e serem obrigadas a procurar pessoas num mercado de trabalho que estará bem mais restrito do que hoje”, afirma Martina Zölch, responsável pelo estudo**.


As informações sobre nosso mercado de trabalho são muito antagônicas e devem deixar qualquer analista de RH estrangeiro de cabelo em pé: um(a) profissional para ser supervisor(a), gerente, diretor(a), etc… tem que ter menos de 30 anos, mas para ser presidente e ter o futuro da empresa em suas mãos ele(a) deve ter mais de 50/60? E será que são estes mesmos CEOs de mais de 50/60 anos que do alto de seus cargos mandam suas empresas contratarem somente quem tem menos de 30?

Pensem bem: no Brasil, onde  a escolaridade média da força de trabalho é baixa (só 7,5 anos) e o ambiente de negócios pode ser considerado ruim (o Brasil ficou na 129 posição entre 183 países do Doing Business***), ter próximo de si um(a) profissional bem formado(a), com  boa escolaridade, não seria um exemplo à seguir que tantos jovens necessitam para continuarem sua formação? Se estes profissionais seniors forem preparados, não seriam fonte de um excelente Coaching? E o Ministério da Saúde brasileiro informa que temos um sério agravante: 49% das pessoas com mais de 65 anos são analfabetos funcionais, ou seja, o know-how, a experiência profissional atrelada à teoria acadêmica, está nas mãos de poucos. Muito poucos. E ainda há profissionais de recrutamento dizendo que eles são “dispensáveis”...

É claro que não estou dizendo que idade é sinal de maturidade e nem que o cabelo platinado é, necessariamente, sinal de competência. Mas descartar excelentes profissionais do mercado de forma preliminar em virtude da idade está se mostrando um tiro no próprio pé da empresa.

Voltamos assim ao assunto turn-over citado anteriormente. O que falta para prender estes jovens selecionados que se sentem desmotivados, para fidelizá-los à empresa? Insisto que a resposta passa por propiciar a eles bons exemplos, experiência. Liderança com maturidade, capacitação formal e informal. Competência na condução da empresa e, de quebra, Coaching de excelente qualidade. A mim parece que os profissionais que aprenderam a fazer planilhas na faculdade necessitam da vivência dos que sabem fazer planejamento na prática, de quem já errou e acertou, de quem sabe o caminho. Falta a luz para guiar esta galera. Falta alguém para iluminar a passagem para eles, para capacitá-los além das teorias.

Outra observação sobre aumento de turn-over que me parece bastante interessante: O descarte dos profissionais seniors não tem forte impacto negativo nesses jovens? Esta galera antenada na internet desde a infância não se deixa enganar facilmente. Evidentemente, eles percebem que são os "queridinhos" de hoje mas que serão descartados amanhã. Então, para que "dar o sangue" para as empresas quando serão sumariamente desconsiderados ao passar a barreira dos "enta"?

Quando as empresas brasileiras do Brasil vão acordar e entender que a contratação de jovens é necessária, fundamental mesmo, mas que eles necessitam de pessoas com experiência para ajuda-los a desenvolver seu potencial?

Empresas no mundo inteiro (principalmente ns europa e nos EUA) já descobriram que equipes de colaboradores inter-geracionais são muito mais produtivas e seguramente muito mais propensas a entender seus diversos públicos e necessidades. Além disso, a mistura de idades está se transformando numa necessidade nas grandes corporações, que no futuro poderão utilizar estes funcionários mais experientes como conselheiros ou chefes de projeto, que é uma forma de manter o know-how dentro da casa e de treinar/orientar os mais jovens. Assim, abre-se espaço para promover os novos profissionais ávidos por ascenção, mas não se perdem estes preciosos e caros conhecimentos. A isto se chama agir com inteligência, preocupar-se com o futuro das empresas.

Enquanto as empresas não acordarem para esta realidade, muitas delas continuarão perdendo a possibilidade de contratar valiosos colaboradores, tornando-se espécies das antigas “escolinhas Walita" só que voltadas para profissionais: selecionam jovens sem experiência (ou com muito pouca), gastam uma fortuna em capacitação e treinamento, perdem outra fortuna com os erros praticados por eles e depois ficam assistindo esta turma sair nas levas de turn-over, dando lugar aos novos selecionados que passarão pelos mesmos processos. Afinal, se dedicar para quê?

Seria muito mais fácil, inteligente e barato utilizar a larga experiência dos profisssionais seniors para enriquecer a empresa e para acompanhar os mais jovens, ensinar-los. Seguramente, este mix de juventude com aqueles que tem a vivência de já ter trilhado caminhos, superado imensas crises, aprendido a gerir problemas,  criará profissionais aptos para liderar e inovar. Está nas mãos dos profissionais experientes e preparados não somente a competência para gerir com propriedade, mas também para capacitar e, principalmente, motivar as novas gerações.  Só não enxerga quem não quer.

* www2.uol.com.br/canalexecutivo/notas09/130520097.htm
** http://www.swissinfo.ch/por/Capa/Archive/Empresas_investem_nos_trabalhadores_idosos.html?cid=4936028
*** http://portugues.doingbusiness.org/


Tags: Job Brazil; senioridade; coaching

segunda-feira, julho 23, 2012

A mulher que passa

Meu Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.

Vinícius de Moraes

domingo, julho 22, 2012

Comfortably Numb



Olá!
Há alguém aí dentro?
Só acene com a cabeça se você consegue me ouvir
Há alguém em casa?

Vamos, vamos, agora
Ouço dizer que você anda deprimido
Posso aliviar sua dor
Pôr você em pé de novo

Relaxe
Precisarei de alguma informação primeiro
Apenas os fatos básicos
Você poderia me mostrar onde dói?

Não há nenhuma dor, você está recuando
Um navio distante soltando fumaça no horizonte
Você só está sendo captado em ondas pelo receptor
Seus lábios se movem mas não consigo ouvir você
Quando era criança, tive uma febre
Minhas mãos me pareciam dois balões

Agora tenho essa sensação mais uma vez
Não consigo explicar, você não entenderia
Não é assim que eu sou
Me tornei confortavelmente entorpecido
Me tornei confortavelmente entorpecido

OK
Apenas uma picadinha de agulha
Não haverá mais aaaaaaaah!
Mas você poderá se sentir um pouco enjoado
Você consegue se levantar?
Acredito mesmo que esteja funcionando, bom!
Isso o fará agüentar fazer o show
Vamos, está na hora de irmos

Não há nenhuma dor, você está recuando
Um navio distante soltando fumaça no horizonte
Você só está sendo captado em ondas
Seus lábios se movem mas não consigo ouvir você
Quando era criança,
Eu peguei um vislumbre passageiro
Pelo cantinho do olho
Me virei para olhar mas tinha ido embora
Não consigo detectá-lo agora
A criança cresceu
O sonho acabou
E eu fiquei
Confortavelmente entorpecido


Tags: Pink Floyd

 

Abrigo

Que alma é essa que você traz consigo?
Que calma é essa que você faz comigo?
Em que era você tomou meu peito?
O que espera que eu faça do meu jeito?
Deu-me o tempo esse castigo?
Ou foi-me apenas um abrigo?
Pra que me guardasse
Pra que eu esperasse
Assim quieto o dia perfeito?

Tive de olhar os anos com olhos salgados
Perdi os profanos, perdi os sagrados
Pra que eu duvidasse
Pra que eu suplicasse
A volta do que não foi feito

Mas agora, esqueça o perigo
Destes tempos complicados
Olhe nos meus olhos alagados
Faça do meu peito o seu abrigo

Traze-me

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- Vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- Vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo – esperança!
- Vê que nem sequer sonho – amor!

Cecília Meireles

Passagem das Horas

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

Fernando Pessoa, num trecho de Passagem das Horas

sexta-feira, julho 20, 2012

Quando ela fala

Quando ela fala

Quando ela fala, parece
Que a voz da brisa se cala;
Talvez um anjo emudece
Quando ela fala.

Meu coração dolorido
As suas mágoas exala,
E volta ao gozo perdido
Quando ela fala.

Pudesse eu eternamente,
Ao lado dela, escutá-la,
Ouvir sua alma inocente
Quando ela fala.

Minha alma, já semimorta,
Conseguira ao céu alçá-la
Porque o céu abre uma porta
Quando ela fala.

Machado de Assis

Eu queria que você estivesse aqui



Como eu queria que você estivesse aqui.


 
 Então, então você acha que consegue distinguir
O céu do inferno
Céus azuis da dor
Você consegue distinguir um campo verde
de um frio trilho de aço?
Um sorriso de um véu?
Você acha que consegue distinguir?

Fizeram você trocar
Seus heróis por fantasmas?
Cinzas quentes por árvores?
Ar quente por uma brisa fria?
Conforto frio por mudança?
Você trocou
Uma pequena participação na guerra
Por um papel principal numa cela?

Como eu queria
Como eu queria que você estivesse aqui
Somos apenas duas almas perdidas
Nadando num aquário
Ano após ano
Correndo sobre o mesmo velho chão
O que encontramos?
Os mesmos velhos medos
Queria que você estivesse aqui



Tags: Pink Floyd; David Gilmour; Aqui










You've Got a Friend





Quando você estiver abatido e com problemas
E precisar de um pouco de amor e cuidados
E nada, nada estiver dando certo,
Feche seus olhos e pense em mim
E logo eu estarei aí
Para iluminar até mesmo suas noites mais sombrias.

Apenas chame meu nome
E você sabe, onde quer que eu esteja
Eu irei correndo
Para te ver novamente.

Inverno, primavera, verão ou outono,
Tudo que você tem de fazer é chamar.
E eu estarei aí, sim, sim, sim,
Você tem um amigo.

Se o céu acima de você
Tornar-se escuro e cheio de nuvens
E aquele antigo vento norte começar a soprar,
Mantenha sua cabeça sã e chame meu nome em voz alta
E logo eu estarei batendo na sua porta.

Apenas chame meu nome
E você sabe, onde quer que eu esteja
Eu virei correndo para te encontrar novamente.
Inverno, primavera, verão ou outono,
Tudo que você tem de fazer é chamar
E eu estarei lá, sim, sim, sim.

Ei, não é bom saber que você tem um amigo?
As pessoas podem ser tão frias,
Elas te magoarão e te abandonarão
E então elas tomarão sua alma se você permitir-lhes.
Oh, sim, mas não permita-lhes.

Apenas chame alto meu nome
E você sabe, onde quer que eu esteja
Eu virei correndo para te encontrar novamente.

Você não entende que
Inverno, primavera, verão ou outono,
Ei, agora tudo que você tem a fazer é chamar?
Senhor, eu estarei lá, sim eu estarei,
Você tem um amigo,
Você tem um amigo.
Não é bom saber? Você tem um amigo...
Não é bom saber? Você tem um amigo...


Tags: James Taylor; friend; amigo; distância; apoio; toque; palavra; paciência
 

terça-feira, julho 17, 2012

Quero-te só porque a ti te quero

Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.


Pablo Neruda

Do meu sangue

Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.


Pablo Neruda

terça-feira, julho 10, 2012

Casa Arrumada

Esse texto foi uma sugestão da Mara Lúcia, mulher que admira Drummond como eu, que gosta também, como eu, destas marcas de vida espalhadas pela casa.



Casa arrumada

Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.

Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas...

Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo: Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.

Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.

Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto...

Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...

E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia. Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.

Arrume a sua casa todos os dias...
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela...
E reconhecer nela o seu lugar.


Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

sexta-feira, julho 06, 2012

Quem ama inventa

Quem ama inventa as coisas a que ama…
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava…
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições…
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho…
Ó! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado… e ter vivido o sonho!

Mario Quintana