quinta-feira, março 31, 2011

98

Para Adelmo Degani






Prometeu

Teu corpo no meu ateu
Teu meu no copo do breu
Meu eu no claro do teu
Teu eu pra cima com o meu

O tempo que foi
Que lembro e que não
O meu e o teu
O himeneu
Que não foi
Que foi não
Aconteceu
Pro meu e pro teu
O que prometeu
E se cumpriu

LXXXVI

Oh, Cruz do Sul, oh trevo de fósforo fragrante,
Com quatro beijos, hoje penetrou tua formosura
E atravessou a sombra e meu chapéu:
A lua ia redonda pelo frio.

Então com meu amor, com minha amada, oh diamantes
De escarcha azul, serenidade do céu,
Espelho, apareceste e completou-se a noite
Com tuas quatro adegas tremulas de vinho.

Oh palpitante prata de peixe polido e puro,
Cruz verde, perrexil da sombra radiante,
Vaga-lume á unidade do céu condenado,

Descansa em mim, fechemos teus olhos e os meus.
Por um minuto dorme com a noite do homem.
Acende em mim teus quatro números constelados.

Pablo Neruda, em Cem sonetos de Amor

Tomie Ohtake - 4

One bright spot amid the gloom

quarta-feira, março 30, 2011

Além

No final, a gente vai perder. Perder tudo que vimos aqui. Perder aquilo que amamos e aquilo que odiamos. Perderemos tudo.

Mas quando perdermos, perderemos para outros. Deixaremos. Nada se perde, tudo se transforma. E assim, vai. E assim é que é. Assim que é que são as coisas. São assim que as coisas são. E serão.

No final, perderemos contra o mais forte. No fundo, todo mundo sabe disso. Mas tem gente que logo desiste. E do ponto de vista da Lógica, desistir é a melhor opção. Desistir é o que faz sentido. Como amassar um papel com um poema mal escrito e sem nenhuma poesia que valha a pena.

Mas tem gente que briga e briga e briga e nos deixa envergonhados. Gente que nem se importa se a festa está mesmo acabando. Age como se estivesse apenas começando. Gente que nos envergonha mesmo. Deixa a gente se achando uns bostas. Gente que veio aqui pra fazer coisas e acabaram fazendo outras. Gente que a gente nem viu fazer coisas, mas que depois de irem, a gente vê que fizeram o que nem essa gente achou que faria. Tem gente que resiste, gente que briga, gente que acha que é só o começo. E não o fim.

Tem gente que a gente acha que perdeu. Mas talvez, não.

Foto: Zanone Fraissat

Tomie Ohtake - 3

Memories filled with lights

sábado, março 26, 2011

Vietnan

Você às vezes acha que seus problemas se resumem à inconsistência do fornecimento de banda larga pela CTBC. Internet à baixa velocidade é foda...

Mas em 1975, os EUA perderam mais uma de suas guerras. Entre muitas. E deixaram no Vietnan os seus “corregilionários”. Pessoas que acreditavam nas propostas capitalistas dos americanos e que embarcaram nessa. Isso criou uma guerra civil no país que jogou nativos uns contra outros. Vizinhos, colegas começaram a se matar. E assim foi por toda uma década e meia.

Quando os EUA perceberam que não sairia iambu do capote, deram no pé. Nixon não quis nem saber. Deixou aquelas pessoas que estavam lá e que acreditaram nas propostas lindas a ver navios. No caso, a ver aviões.

Esse vídeo mostra um pouco do que foi aquilo. Mas têm outros. A internet tá cheia deles. Me lembro de um com um helicóptero, que cai com tanta gente querendo embarcar.

O fato é que para as pessoas que ficaram no país e que eram contrárias ao regime que ganhou a guerra, a situação era a pior possível. Perseguições, assassinatos. Vingança.

Vida é muito mais que MSN.


World Airways Evacuation From Da Nang To Saigon 1975 from PhuongBui on Vimeo.


Tomie Ohtake - 2

Talihina Sky

sexta-feira, março 25, 2011

quinta-feira, março 24, 2011

Tomie Ohtake - 1

Glass

Outro dia o Ugo Degani me passou umas músicas que me lembraram o Philip Glass. Falei a ele da trilogia de filmes com trilha musical dele e da semelhança com os sons. Provavelmente, beberam em Philip Glass para que algo assim fosse feito. Me lembrei de quando vi no cinema, achei que era uma trilha visual para uma música. Ouvidos e olhos são sempre quatro referenciais que andam juntos.




quarta-feira, março 23, 2011

Um pôr-do-sol para meu pai - por Renato Cabral

Eu estava viajando e de alguma maneira, meu pai me esperou. Esperou que eu voltasse pra que ele pudesse ir viajar. Pra sempre. Era meu aniversário e meu presente foi a eterna vontade de ter sempre ele comigo. Afinal, pai é pra se ter sempre consigo. Pai é o que vemos por um espelho mágico que reflete nossa imagem formada por genes mais velhos e menos misturados. Pai é o reflexo daquilo que ainda não soubemos refletir. Pai é o que queríamos ser, mas nunca conseguiremos.
Eu já havia lido esse texto no Cabral e ele nem sabia. E aí, ele o mandou pra mim. Me disse pra escolher uma música e fiquei com um peso nas costas. Responsabilidade aumentada. Mas como gostaria que meu pai estivesse aqui, imaginei que o Cabral também pudesse querer isso com o “seu” José Cabral. Voltar a conviver com pessoas especiais, como "seu" José ou "seu" Adelmo não tem mais jeito. Mas a gente sempre vai querer que pessoas assim estivessem aqui.




Um pôr-do-sol para meu pai

por Renato Cabral

Hoje é 13 de maio; uma terça-feira. Estou a meio caminho de um hospital e rabisco estas linhas pra meu pai. Escrevo rápido para ver se dá tempo dele me ler. De que eu possa, enfim, dizer tudo o que não pude por 28 anos. Mas ele não pode me ouvir. E falo pra mim. Agora ele está numa sala de cirurgia enfrentando o momento mais grave de sua vida. Está pregado àquele limite que não conhecemos bem, em algum lugar entre o nada e a existência que persiste. Há médicos com ele, mas ele nunca esteve tão só...

Eu nasci num dia 27 de agosto. Fazia frio e foi quando o sol se punha. Na véspera de me ter, minha mãe ainda não tinha o dinheiro. Mas tinha medo. Pegou um colar de ouro que havia ganhado de presente de casamento de meu pai e foi para a rua. Após conseguir vendê-lo, ela passou a mão na barriga e me disse: “nós vamos conseguir”. O colar da minha mãe foi o primeiro presente do meu pai pra mim. E conseguimos.

Minha mãe até hoje é meu pai também. E meu pai foi durante todos estes anos um mistério. Minha mãe me deu o amor; me trouxe à luz. Meu pai fez a inscrição da identidade na minha alma, aquilo que torna cada um de nós singular.

Eu era pequeno e levado. E um dia quebrei a pipa do meu irmão. Ele me colocou de frente para o Cristo com os braços abertos. Foi a minha primeira crucificação. A vida faria o favor de trazer outras. Logo depois perguntei pra ele o que era Deus. Não me lembro da resposta. Não importava. Só lembro que ele sorriu.

Agora, de tantas coisas me lembro. E faço esse exercício com a memória, na tentativa de criar um mundo onde nós estejamos juntos outra vez. Me lembro daquela pescaria que ele havia me prometido e que de tanta vontade eu adoeci. Fiquei dez dias com a garganta inflamada na beira do rio, dentro de uma barraca. Foram meus melhores dez dias com meu pai.

Olho mais um pouco pra trás e me vejo andando pequenino, a tomar sua camisa e seu cheiro, seu tamanho de homem, quando ele chegava do trabalho. Eu a pôr os pés em suas botas e me sentir seguro ali dentro. Ainda não sabia escrever, mas já sabia que era homem.

Ele me ensinou a pôr o anzol na linha, a andar de bicicleta sem rodinha, a mergulhar e a pular de ponta, a ter orgulho de mim, do que conquistei e do que perdi. E como eu fui orgulhoso. E como me orgulho disso. Ao invés dos velórios, meu pai preferia uma boa cerveja. Ao invés de chorar, rir muito com os amigos. Teve tudo o que queria. Há uma imagem de meu pai que é inesquecível. Eu nunca a vi, só existe em minha imaginação; mas ele contava com gosto. Foi aquela vez em que ele foi de bicicleta até Tupaciguara. Era seu jeito de me chamar de molenga quando eu caí de bicicleta e era ele a me dar banho e a limpar minhas feridas.

Também me lembro de quando ele me batia e de como eu ficava emburrando o amaldiçoando em silêncio. Eu com bico; ele firme, a me mostrar que não adianta, que ser bruto não é o melhor jeito de vencer. Eu tive o peso de seu braço em mim e chorei. Mas tantas vezes aquela mão pesada me carregou quando eu não sabia pra onde ir.

Nunca um homem lutou tanto na vida, pelos que ele adorava. Nunca um homem terminou com tão pouco, sem deixar nada. Mas pensar assim seria só ressaltar uma ilusão. Se o critério para dizer o que é uma vida cheia e rica for a conquista de bens, então, meu pai viveu como um miserável. Agora, se a riqueza for sentir necessidade de pouco e a felicidade for saber gozar com o que temos, com o que não nos falta, meu pai foi alguém que teve, mesmo em meio a sua ignorância, a verdadeira sabedoria: aproveitou seu corpo, sua beleza, sua família, sua simplicidade, seu universo, e ganhou o amor da mulher mais admirável que eu já conheci; ele também. Tivemos sorte os dois.

E agora, na porta do centro cirúrgico, eu me pergunto: o que determina que a vida de alguém não foi em vão, que tenha valido a pena? E foi uma simples foto que trouxe a resposta para o que faz da vida de um homem algo grandioso. Um pequeno retrato teve o poder de mudar o sentido que o seu destino insistiu em construir. Era a foto de meu pai com sua neta. Ele com 64 anos. Ela com sete dias. Um olhando para o outro como quem descobre um tesouro. E ambos sem saber disso, de tão entretidos e presentes que estavam, de tão ali um com o outro. Um, a imagem de um projeto que já se encaminhava para o fim, das surras e das marteladas que levara; a certeza do crepúsculo que vinha. A outra, a pequena aurora, a nova promessa, o testemunho do vir a ser. Não sei o tempo que a luz levou para ir deles até a câmera, mas é assim mesmo. Os momentos mais intensos de nossas vidas são aqueles que não fazem diferença perguntar pelas horas. Meu pai, já velho, enfim, havia encontrado sua resposta, seu tempo de recomeçar; havia reencontrado seu orgulho. Diante de uma vida de tantas perdas e desencontros, estava, enfim, em paz, sem precisar de mais nada. Só estava ali...

Tivemos uma única conversa em todos estes anos. Eu tinha 17 naqueles dias. E foi o bastante. Ouvi a história de alguém que veio antes de mim e vi nela as misérias e as glórias que esperam cada um dos que possam ter a sorte de vivê-las. Foi preciso que ambos vivessem muito, tudo para poder dizer e aceitar que, no fim, não conseguimos ser pai e filho. Mas tivemos a sorte, de novo, de nos tornarmos amigos. Havíamos encontrado aquele tipo raro de amor que só mora na amizade, no desapego, que não pede nada em troca. Estávamos felizes pelo simples fato do outro existir. Logo comigo, que jamais achei que meu pai poderia ser meu mestre, encontrei naquele senhor tão magro no leito do hospital, um companheiro para meu copo, para meu choro. E era eu, desta vez, que segurava sua mão e lhe sorria. Quem sabe ele tenha conseguido notar meu obrigado. Quem sabe...

Hoje é 10 de junho. É um dia bonito, sem nuvem no céu. O sol ainda está nascendo e não faz frio. Meu pai morreu nesta manhã, após 28 dias numa UTI, lutando pela vida, nos dando o tempo para nos despedir, para nos gostar, para nos vermos de novo de um jeito totalmente inédito. A última vez que o vi, dois dias antes, antes que terminasse o horário das visitas, tirei minha mão da dele e, saindo, meio de lado, disse eu te amo. Não olhei para os olhos dele. Não sei se ele viu ou ouviu. Foi o único jeito que consegui. No dia em que meu pai morreu, nesta terça-feira, foi assim que o sol se pôs.


terça-feira, março 22, 2011

Water

By NASA

Árvores - 3

Poema LXXXI

Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite sobre suas invisíveis rodas
E junto a mim és pura como o âmbar dormido.

Nenhuma mais, amor dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma viajará pela sombra comigo,
Só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.

Já tuas mãos abriram os punhos delicados
E deixaram cair suaves sinais sem rumo
Teus olhos se fecharam como duas asas cinzas,

Enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
À noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,
E já não sou sem ti senão apenas teu sonho.

Pablo Neruda, em Cem sonetos de Amor

segunda-feira, março 21, 2011

Esta velha angústia

Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar-entre,
Este quase,
Este poder ser que…,
Isto.

Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim…

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!

Fernando Pessoa

domingo, março 20, 2011

Árvores - 2

Por que Fukushima Daiichi não será outra Chernobyl

Um texto interessante mostrando as diferenças entre Chernobyl em 1986 e Fukushima Daiichi em 2011. Clique aqui e leia.




Estrela

És a mais bela de todas as estrelas do meu céu
És a única que brilha em minha direção
Nas noites escuras e negras
Levanto meus olhos e a vejo
Em meus sonhos confusos
Nas noites abafadas e sem brisas
Entra pela minha janela
Cuida do meu sono
Vigia e reza por ele
Nas noites longas, intermináveis
Em meus sonhos, perdido
Levanto meus olhos e a venero
Porque nas noites escuras e negras
És a única que brilha em minha direção
És a mais bela de todas as estrelas do meu céu

Invocação ao amor

Pedir-te a sensação
a água
o travo

aquele odor antigo
de uma parede
branca

Pedir-te da vertigem
a certeza
que tens nos olhos quando
me desejas

Pedir-te sobre a mão
a boca inchada
um rasto de saliva
na garganta

pedir-te que me dispas
e me deites
de borco e os meus seios
na tua cara

Pedir-te que me olhes e me aceites
me percorras
me invadas
me pressintas

Pedir-te que me peças
que te queira
no separar das horas
sobre a língua

Meu ciúme
meu perfil
minha fome

meu sossego
minha paz
minha aventura

Meu sabor
minha avidez
saciedade

minha noite
minha angústia
meu costume

Maria Teresa Horta

sábado, março 19, 2011

Árvores - 1

Eu já falei delas aqui nesse espaço. Já falei delas em outras ocasiões. Algo nelas me fascina. Talvez a serenidade aliada à consciência que nunca sairão dali. Alguém já me disse que pareço com elas, citando meus pés sempre presos como raízes à terra que nasci. E seus galhos mais altos a receber o vento fresco das alturas e os pássaros trazendo novidades.

Assim são as árvores e assim acho que sou também. Talvez por isso, por esse narcisismo que todos nós temos, de nos reconhecer em seres iguais, talvez por isso eu tanto gosto delas.

E assim, começo uma série com coisas relacionadas a elas. Começo com meu filho Ugo Degani e uma foto dele que publiquei já aqui. E vai ela de novo, de um ponto de vista nosso, dos humanos, se mostrando pequenos junto a elas.

Foto: Ugo Degani

quarta-feira, março 16, 2011

Longing To Belong (Desejando Pertencer)



Longing To Belong (Desejando Pertencer)


Eddie Vedder

Estou sofrendo a queda mais dura de todos os tempos
Estou caindo rápido enquanto espero
Pousar em seus braços
Pois todo o meu tempo foi gasto aqui
Desejando pertencer
A você

Eu sonho com círculos perfeitos
Os olhos no seu rosto
O meu coração é uma ferida aberta que
Apenas você pode preencher
E embora a lua está crescendo
Não consigo largar o seu retrato
O amor pode ser assustador quando você cai

E quando a hora é certa, eu
Espero que você responda
Como quando o vento se cansa
E o oceano fica mais calmo
Eu posso estar sonhando, mas eu estou
Desejando pertencer
A você


Longing To Belong

Eddie Vedder

I'm falling harder than I've ever fell before
I'm fallin fast while hoping
I'll land in your arms
Cause all my time is spent here
Longing to belong
To you

I dream of circles perfect
Eyes within your face
My heart's an open wound that
Only you replace
And though the moon is rising
Can't put your picture down
Love can be frightning when you fall

And when the time is right, I
Hope that you'll respond
Like when the wind gets tired
And the ocean becomes calm
I may be dreaming but I'm
Longing to belong
To you

terça-feira, março 15, 2011

Cada um

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos,
Nada mais nos é dado.

Fernando Pessoa

domingo, março 13, 2011

Gran Torino



Há muitos anos, quando eu ainda era um jovem, tecia uma certa ojeriza por Clint Eastwood. Talvez por ele aparecer nos filmes como um cara seco, duro, nada agradável e bastante conservador. Eu era o contrário disso tudo.

Mas o tempo passou para ambos. Ele aprendeu, eu aprendi. Ele fez filmes maravilhosos e eu acabei me rendendo. Nem vou listar aqui as tantas coisas lindas que ele fez, principalmente como diretor. Vou dizer apenas poucas palavras sobre Gran Torino.

Meu filho Ugo já havia me dito sobre a grandeza do filme e recentemente, meu primo Júnior disse o mesmo. Depois de duas opiniões assim, assisti hoje. E tive de vir aqui falar da profunda admiração que tenho por este diretor. A forma como ele trata (e tratou neste filme) a relação das pessoas é algo para se guardar e manter. A maneira intensa que os personagens mostram a doação que é feita a quem e por quem se gosta, arranca o peito da inquietude e leva os olhos ao alto em que as almas se encontram.


A gente vai sempre aprendendo com aqueles que já aprenderam.




Timidez

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve…

- mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares

e une as terras mais distantes…
- palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,

apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
- que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,

os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando…
e um dia me acabarei.

Cecília Meireles

segunda-feira, março 07, 2011

Strokes no SNL

Música nova do Strokes.


sexta-feira, março 04, 2011

Little Wing de novo

Mais uma versão maravilhosa...


Little Wing

Música maravilhosa em três versões maravilhosas.






Traze-me

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- Vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- Vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo – esperança!
- Vê que nem sequer sonho – amor!

Cecília Meireles

quarta-feira, março 02, 2011

Águas de Penedo



Mais um texto do Cabral

Eu disse ao Renato Cabral que ia virar freguês dos textos dele. Afinal, meu blog bombou de visitas no post. Então, vai mais um texto fodástico do cara.

O vídeo é por minha conta.



A última gota para a flor de um jardim morto

O que resta quando alguém vai embora e toda presença se resume àquele pó intocado sobre peças familiares, coisas que a gente mantém com o ruído da lembrança?...

Ouça. Você partiu e desde então tem sido assim por aqui: esse rastejar de cabeça baixa. Não é tristeza, é que devagar é mais fácil recolher essas cascas que caíram, esse pedaço de foto, esse recorte de pano com seu perfume, meu vaso sempre a sua espera (comigo na cama te olhando de pernas abertas); meu travesseiro entre o ventre tomando o lugar da sua coxa. E meu cabelo arrumado como nunca pela falta do sopro dos seus dedos. A casa num silêncio querendo assuntar, quebrar o gelo pra poder, quem sabe, nesses golpes de intimidade, me perguntar sobre você. Saber por onde anda... Mas como responder se a resposta também me falta?

Quando você partiu com sua pele branca e aquela burca que seus cabelos pretos faziam só pra deixar maior seus olhos de esmeraldas, eu prometi ser feliz, achando que a felicidade fosse alguma coisa como um crachá. Fiz um pra mim. Ele abria as portas da outra dimensão, onde ninguém mais chora, mas lá dentro ainda faltava algo. Faltava eu. Porque quando você foi embora, levou aquele pedaço de mim que sabia ler a língua com que a felicidade gosta de cantar. E eu fiquei surdo desde então pra isso que é sorrir. Um analfabeto de alegria. Um aleijado de amor. Por isso tateio suas coisas no quarto à procura de pistas, de um abraço. Você sabe, o pior tipo de tristeza é a felicidade que ficou pra trás. E lembrar dessa felicidade é a maldição do presente.

Naquele dia em que você, antes de partir, me bateu e gritou comigo, eu já sabia que o que restaria não seriam os berros, os roxos, as unhas cravadas na alma; nem minha vergonha por ter te feito chorar. Porque quando a nossa música soprasse os ouvidos, o mais besta dos momentos, aquele sorvete tomado no colo do outro, aquele azeite sobre nosso macarrão, aquele cheiro de bochecha rosa, tudo isso iria quebrar essa mentira que a gente inventa pra se proteger; que se chama dor.

E você foi embora. Escreveu sua carta de despedida e nunca me enviou. Fiquei sozinho duas vezes por isso. E quando ela chegou, a casa já estava se enchendo de novo, com um novo sorriso inédito. Abro agora um envelope que me faz chorar. Eu achando que o jardim já tinha secado. Por que voltou com tão poucas linhas e essas correntes no meu pescoço? Cadê sua carne aqui pra eu poder chorar em cima e riscá-la de raiva? E agora cada lágrima gruda suas letras em mim como uma praga que nunca nos fez estar longe de fato.

No final do seu testemunho eu leio: “Fim”. E me lembro dos vivos, dos adiados, dos que se partiram ao meio... e sei que todo fim pra quem ainda está aqui nunca é terminal, porque ainda podemos ir a outros lugares, a outros jardins. Quem dera houvesse um atalho pra voltar pelo mesmo caminho que eu já sei andar, o que leva até suas flores; mas não consigo mais ir por aí. Sei percorrê-lo, mas desaprendi o jeito de como eu desviava dos espinhos. Porque eu entendi o que é estar sem você, mas ainda não aprendi a ser sem você.

Por que não uma lágrima pra encerrar, pra selar a caixa das lembranças, que jorra sua hemorragia sobre meus olhos toda noite? Por que não essa lágrima que é enxurrada pra tampar tantas pegadas que ainda tatuam meu peito? E o que eu faço com esses mil suspiros e versos aqui dentro? Vão sair com o tempo?

Sua força ao ir e não me deixar voltar é uma prova ainda maior do que é o amor, que é libertar e nunca prender. Perder pra ter, pra poder ser e se encontrar. Mas nem sempre só o amor basta. Você foi única na sua beleza, na sua loucura, no jeito que me teve e que me fez te querer tanto. Não deixe a flor secar nunca. Regue-a até o fim. Porque no fim, naquele fim, em que só temos nós mesmos, eu estarei do seu lado, ou você do meu. Nos vemos por aí, pelas calhas, pelos tetos, pelas quinas e navalhas; na lama e talvez no céu, que já foi nosso berço e nosso leito, mas com um outro olhar agora, e sempre com o mesmo carinho. Um último beijo. Que ele fique grudado na alma e em tudo que for você. Fico aqui, te admirando como a flor mais rara, que aprecio sem poder mais tocar. Sempre te amei. Mas sempre te amar é um tormento que não posso mais levar.

Por Renato Cabral – só um ruminante contador de histórias.

terça-feira, março 01, 2011

Blues by Bething

O Bruno Bething tá caindo na estrada. Tomara que ela passe por aqui.

Sem título

É luz é Sol é seco
É tempo é volta é vento
É sombra é chuva é lágrima
É vento e tempo não volta

Não volta não seco não Sol
Não luz não sombra não tempo
Não lágrima não chuva não vento
Não luz não Sol é noite

Lua não Sol
Sol não chuva
Chuva não vento

Tempo
Tonto e tento e tanto
Tempo é tempo
É não é
Tanto