quarta-feira, dezembro 26, 2007

Seu lugar em 2008

Sempre entramos num ano novo mirando em mudanças. Tem sempre algo como “este ano vou fazer isso, este ano não vou fazer aquilo”... Mas a gente sempre esquece que na maioria das vezes são as mudanças que nos miram. Por mais que a gente afirme nossa disposição em tomar um novo rumo, há sempre vetores que nos levam a lugares que não prevíamos. E nem queríamos. E a gente acaba indo pra lugares que nem imaginava estar.

E talvez seja exatamente essa imprevisibilidade que traga a esperança. A esperança de que os tais vetores nos levem a lugares que não prevíamos. Mas que queríamos. Lugares que apenas vislumbramos nos sonhos mais difíceis de se realizar.

Assim, desejo a todos que os ventos da imprevisibilidade os levem a lugares novos, desconhecidos e maravilhosos. Ou a lugares nem tão novos, nem tão desconhecidos, mas assim mesmo, maravilhosos. Mas que seja o seu lugar.

terça-feira, dezembro 25, 2007

Priceless

Algumas coisas não têm preço. Não parece frase de comerciais. É uma frase de comerciais. Mas não têm mesmo. Se parar pra pensar, a gente ia encontrar dezenas delas. Mas um comercial que está sendo vinculado por estes tempos de Natal mostra pessoas voltando pra casa. Isso não tem preço. Pessoas se encontrando, se abraçando depois de tempos e tempos sem se tocar. Se tocar. Isso não tem preço. Palavras digitadas nunca chegarão aos pés de um toque, de um abraço. Um abraço acompanhado daquela música então... Isso não tem preço.

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Uma tarde numa véspera de Natal

Minha mãe era uma pessoa especial. Toda mãe é. Mas quem conheceu a minha sabe do que eu estou falando. Era uma guerreira. Eu queria ter herdado metade de sua garra. Mas herdei muita coisa. Quem a conheceu e me conhece sabe do que eu estou falando. E quem é que não se lembra de sua mãe numa data como essa? Me lembro de tanta coisa, mas queria dizer aqui de uma coisa simples, que durante muitos anos me fez ficar com ela num dia como esse.

Dona Laura cozinhava maravilhosamente. Quem a conheceu sabe do que eu estou falando. Mas num dia como esse, ela sempre fazia umas roscas trançadas que acabávamos comendo por toda a semana. Não sei a receita, mas me lembro que uma bolinha da massa era colocada num copo d’água e quando ela subia era sinal que estava na hora de colocar no forno. Era o fermento dando o aviso que a massa havia crescido o suficiente. Não tenho a mínima idéia da razão que fez um menino como eu ter a habilidade de ir batendo aqueles ingredientes, sovar a massa, separar os pedaços e com as mãos ainda pequenas, transformá-los em cilindros deliciosos e, três a três, torná-los uma trança quase perfeita. Em seguida, eu colocava algumas uvas passas naqueles “vales” formados pelos gomos da massa, tomava um pequeno pedaço de gaze, embebia numa gema de ovo e besuntava cada uma das roscas. Isso as fariam ficar coradas e vistosas.

Participei desse ritual por muitos e muitos anos. Comecei ainda menino e já muito maior que minha mãe ainda a ajudava. Ela sempre falava que eu fazia muito bem. Não sei se era isso mesmo ou se ela dizia isso pra me agradar. O fato é que eu achava que era bom no assunto. O fato é que eu fazia aquilo não pelas roscas, não pelos elogios. Fazia mesmo pra ficar com ela na cozinha. Fazia pra escutar a voz dela me direcionando. Ficava ali, curtindo aquele tempo, farinha de trigo para todo o lado, um copo de vinho tinto por perto. Ficava beliscando a massa crua e ouvindo ela dizer que aquilo iria crescer na minha barriga. Era muito bom mesmo.

E então, sempre num dia como esse, essa é uma recordação que me vem. As vésperas de Natal eram assim. O presépio estava lá na sala, com o pescador com um peixe sobre a lâmina de espelho e muita serragem em volta. O Menino Jesus só seria colocado na manjedoura à meia noite. Eu fazia questão de me encarregar disso. O dia passava lento e a noite não chegava nunca. A cozinha vivia com pessoas que queriam saber dos preparativos, que queriam tomar um café.

Hoje os dias passam rápido demais. Não sei nem como iniciar a preparação de uma daquelas roscas. Eu deveria ter me esforçado mais e aprendido tudo delas e não só dar-lhes forma. Talvez eu estaria agora preparando uma fornada, ao invés de escrever essas palavras. Eu deveria ter dito a ela o quanto gostava daquelas horas, mas não disse. Não sei qual seria a palavra ideal pra descrever essa falta minha. Sempre fui ruim em vocalizar as palavras, sempre preferi escrevê-las. Mas acho que eu deveria ter dito. Eu deveria ter feito muitas outras coisas.

sábado, dezembro 22, 2007

Sem título

Tempestades em seus olhos

Tempo não mais

Mar não mais

Tempestades em seus olhos

Céu negro do Atlântico

Não mais

E os olhos, e os olhos...


sexta-feira, dezembro 21, 2007

It Never Entered My Mind

Poucos dias após eu postar aqui “Prosas Curtas sobre Separações – 2” recebi retornos. As pessoas continuam tímidas e não deixam comentários. Apenas me falam, comentam. Aí, disse que a intenção seria publicar em papel esta série de pequenos contos. Disse que poderia inclusive traçar ao final uma ficha técnica das obras de arte citadas. Para que as pessoas pudessem ir procurar e sentir um pouco além que a simples leitura do texto. Acharam ótima idéia. Talvez me dê trabalho, mas para este post, faço aqui então, a inclusão, a pedidos. A música é um clássico. Rodgers e Hart foram uma dupla de autores (música e letra) que povoaram filmes e filmes que, com certeza, todos nós já vimos e ouvimos. Aqui, e na prosa, é Miles Davis quem maravilhosamente a expõe em seu trompete tocado na vertical. No link, esqueça o vídeo. Apenas escute a música.

Música: “It Never Entered My Mind”

Autores: Richards Rodgers e Lorentz Hart

Intérprete: Miles Davis

Também foi tema do filme “Noiva em Fuga” com Linda Roberts e Richard Gere

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Perdido

Nexo

Onde

Plexo

Podre

Sexo

Pobre

Sobre

Mim


Louco

Aqui

Peito

Morto

Seio

Miseravelmente longe, longe

Sobre

Ti

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Prosas curtas sobre separações - 2

Há alguns posts atrás incluí um texto que escrevi em 2000. Pra ser mais exato, no dia 21 de Maio. É sobre cinema, é sobre pessoas, é sobre essa coisa a que chamamos viver. É sobre amor, é sobre separação.

Depois que escrevi este texto, resolvi fazer mais. Imaginei fazer uma série. Prosas Curtas sobre Separações. Mas por que o tema? Porque é popular, porque acontece, porque é assim que a vida é. Ao longo dos anos, fui tentando um texto aqui, outro ali. Nada que despertasse aplausos, nada que não fosse assim tão diferente. Mas quis fazer as prosas seguindo uma determinada linha. Quem se atentar, perceberá. Mas algo é claro: tem sempre uma ou mais obras de arte presentes: música, filme, livro, etc. Há sempre um local ou um ambiente que define o clima. Os personagens não têm nomes. Não há referências do que aconteceu e do que acontecerá. Cada um que ler que resolva essa questão.

Então, resolvi publicá-los aqui. Mais uma vez me dizem que estou ausente deste blog. Preciso mesmo estar mais por aqui. Sei que muitos aqui aparecem pra me encontrar. Preciso vir mais. Assim, vou publicar este que já é o segundo (o primeiro, O Último Cinema do Centro pode ser lido por este link). Prometo publicar os demais a cada mês. E, de repente, até escrever mais alguns dentro do mesmo tema.

Aguardo os comentários dos que aqui vem me encontrar.


It Never Entered My Mind

Eram quase onze horas da noite quando a porta bateu às suas costas. A cada lance descido da escada um quase tombo, que seria provocado pela irregularidade entre um degrau e outro, formando um leque de sombras e luzes amareladas. Quando chegou ao térreo, a respiração que já estava difícil pelas narinas entupidas, pareceu piorar pelo esforço de saltar pelos degraus, fazer as curvas nos patamares, se assustar pelos quase tombos. Novamente aquele térreo de luzes apagadas e a procura pelo interruptor do porteiro eletrônico que abria a porta. A tentativa que começou com uma carícia na parede logo se revelou em tapas nervosos que, claro, resultaram na abertura da porta. Esta foi preciso puxar para ser fechada.

Já não chovia mais. O chão da calçada e da rua estava molhado como se alguém o houvesse lavado e puxado a água com um rodo. Não havia enxurrada e as nuvens brancas e baixas se movimentavam em alta velocidade, mostrando que logo o céu se abriria para as estrelas. Mesmo assim, empurrada pelos largos e apressados passos, a água do piso subia pela sola e molhava a parte de cima dos sapatos da cor da roupa daqueles estrangeiros que vão à África em filmes antigos. A água tornava o bico dos sapatos em marrons quase pretos, mas nenhum pingo manchara o resto da roupa. 

Antes de entrar num bar, estilo café – destes de onde as pessoas pouco vêem a rua e de fora não se sabe como está lá dentro –, olhou para os sapatos e, por um átimo de tempo, aquela mancha marron se tornou o principal problema de sua vida. Se arrependeu por os calçar naquela noite, como se soubesse que choveria. Dentro do bar, ninguém se importara pelas manchas marron-escuras num par de sapatos cansados e destituídos de alguma postura nobre e elegante; até porque logo ficariam escondidos por debaixo do estribo do balcão.

O cara que servia bebidas não era o de sempre. Pensou em perguntar onde ele estava, pois um rosto conhecido até que seria bom naquela hora. Mas desistiu. Devia ser o dia de folga, devia estar gripado em casa, devia ter achado coisa melhor que ficar escutando conversa de bêbado. Só pediu uma vodka com limão e girou o pescoço à sua volta para perceber se o haviam percebido. Mas cada pessoa do bar, cada grupo de pessoas só estava interessada no seu micro ambiente. O barulho de copos, de conversas, o barulho de um bar deste tipo as fazia se juntar para compartilhar o assunto. [Não conseguia entender o que tinha acontecido naquela noite. Aquilo não entrava na sua cabeça.] Um surpreendente trompete de Miles Davis – parecia até milagre escutá-lo ali, como na trilha sonora de um filme europeu – desviou sua procura visual pelo ambiente para a atenção auditiva. Tinha quase certeza que aquela música havia sido tema de algum filme. Quis tentar lembrar do nome, o ator, quando havia assistido, mas a atenção se desviou para as pessoas. Então, começou a perceber as palavras de sedução de um casal ao seu lado. Ela de pé, brincando com o salto alto no estribo do balcão e ele sentado no banco, para nivelar os rostos e as palavras. Aquela velha conversa de melhor mulher do mundo, de amor eterno, razão de uma vida... O piano compunha com a bateria tocada com aquelas vassourinhas, dando suavidade à melodia do trompete. E sua memória, já embalada pela vodka, viajou por lembranças, por sons parecidos com aqueles, por palavras parecidas com aquelas, por gestos parecidos com aqueles.

Quando olhou para os lados, não havia mais Miles Davis, nem casal encostado no balcão. Apenas dois homens e uma mulher numa mesa do fundo jogavam fardos de fumaça ao ar pesado que os rodeava. O cara que serviu sua vodka pedia com os olhos que todos fossem embora, que o deixasse ir dormir, largar seu corpo cansado num magro colchão num bagunçado quarto qualquer. Ao pagar a conta é que percebeu que não havia tomado apenas uma vodka. Desconfiou do cara, achou que ele estava querendo cobrar mais que o devido, mas pagou e saiu. E teve a certeza que o cara estava certo. O embaralhar dos passos mostrou que não foi uma nem duas vodkas. O cara nem teria interesse em lhe roubar algumas vodkas.

Suas narinas já não estavam entupidas, pois sentia o vento frio da madrugada a entrar por elas, se misturando ao torpor do álcool destilado. Não podia decidir nada, mas o alto teor de coragem a que foi tomado o empurrava rua afora. Quando deu por si, estava em frente ao prédio que horas antes havia deixado. Um cachorro vira-latas acorda assustado, late esganiçadamente, tenta mostrar posse do lugar próximo à entrada do prédio, mas foge buscando outro lugar para terminar a noite. Os latidos do cão são os únicos sons que podem ser ouvidos na rua afastada e quieta daquele bairro. Apenas eventualmente um carro passa pela rua transversal, com mais movimento já que era uma das ligações com o centro da cidade. Não mais que os sons abafados e afastados que uma cidade emite podia ser ouvido. Era tanto silêncio que, se tentasse, poderia ouvir o ressonar das pessoas dormindo naquele prédio. Afinal eram apenas três andares de um prédio construído bem no alinhamento da rua, com as janelas dos apartamentos voltadas para ela.

Para ter mais visão da fachada do prédio, atravessou a rua, sentou-se na mureta de uma casa, levantou os olhos, buscou a janela mais à esquerda do último apartamento do último andar. As luzes estavam apagadas. Todas as luzes de todos os apartamentos estavam apagadas. Tentava imaginar como estaria o interior do quarto. Se haveria roupas espalhadas pelo chão, se a porta estaria aberta, se haveria perfumes e cheiros. Se havia sons. Se lembrou de Miles Davis e o casal cheio de conversas e intenções. Se lembrou do cara que servia bebidas no bar e sua vontade de ir para casa. Talvez nem teria chegado ao seu magro colchão àquela hora. Se lembrou dos bicos de seus sapatos, encharcados e manchados. Olhou para eles e estavam secos. Seus olhos também não estavam mais molhados. Suas narinas também não estavam mais entupidas. Não entedia a razão, mas se sentia bem. Se fosse num script de um filme metido a sério, talvez tentasse alguma coisa. Um grito, um tiro, um ato qualquer. Mas a única coisa a fazer era se recostar no gramado da casa, também já seco, que se erguia num talude da mureta até uma varanda no alto, cercada por grades, como uma grande gaiola sem pássaros. Ficou a olhar para a fachada do prédio.

As manhãs dos longos dias de Dezembro começam bem cedo e o Sol aquece toda a cidade que se movimenta, agita e faz barulho. Não só a rua transversal agora está movimentada. A cidade toda se envolve numa busca frenética por algo. Molhada pela chuva do dia anterior e aquecida pelo Sol, a grama do talude cresce.

sábado, dezembro 15, 2007

Float on

Recentemente, falei de uns caras dos anos 70 e ninguém sabia quem eram. Os anos 70 foram especiais e provavelmente, virei aqui ainda falar deles. Os caras que digo eram quatro negrões, com as vozes impecáveis que, pelo que me lembro, só fizeram um único sucesso. A música era “Float on” e o grupo se chamava The Floaters. Com esse nome parece que a intenção era essa mesmo.

A música é lindíssima. Alguém dirá que é repetitiva ou qualquer outra coisa. Tenho comigo uma versão ainda maior, de quase doze minutos e de vez em quando a coloco pra tocar no talo. Alguém que não tenha passado pelos anos 70, ao observar as roupas e a coreografia dos caras certamente achará simplesmente ridículas. E são mesmo. Mas quem não foi ridículo um dia?