quinta-feira, setembro 30, 2010

Era manhã de setembro

Era manhã de setembro
e
ela me beijava o membro.
Aviões e nuvens passavam
coros negros rebramiam
ela me beijava o membro.
O meu tempo de menino
o meu tempo ainda futuro
cruzados floriam junto
Ela me beijava o membro
Um passarinho cantava,
bem dentro da árvore, dentro
da terra, de mim, da morte
Morte e primavera em ramo
disputavam-se a água clara
água que dobrava a sede
Ela me beijando o membro
Tudo o que eu tivera sido
quando me fora defeso
já não formava sentido
Somente a rosa crispada
o talo ardente, uma flama
aquele êxtase na grama
Ela a me beijar o membro
Dos beijos era o mais casto
na pureza despojada
que é própria das coisas dadas
Nem era preito de escrava
enrodilhada na sombra
mas presente de rainha
tornando-se coisa minha
circulando-me no sangue
e doce e lento e erradio
como beijava uma santa
no mais divino transporte
e num solene arrepio
beijava beijava o membro
Pensando nos outros homens
eu tinha pena de todos
aprisionados no mundo
Meu império se estendia
por toda a praia deserta
e a cada sentido alerta
Ela me beijava o membro
O capítulo do ser
o mistério do existir
o desencontro de amar
eram tudo ondas caladas
morrendo num cais longínquo
e uma cidade se erguia
radiante de pedrarias
e de ódios apaziguados
e o espasmo vinha na brisa
para consigo furtar-me
se antes não me desfolhava
como um cabelo se alisa
e me tornava disperso
todo em círculos concêntricos
na fumaça do universo
Beijava o membro
beijava
e se morria beijando
a renascer em dezembro

Carlos Drummond de Andrade

Passei toda a noite

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.

Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.

Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.

Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.

Fernando Pessoa

quarta-feira, setembro 29, 2010

Francis Bacon - 1

Viiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiillllma!

Muita gente faz cinquenta anos...

Sem título

Subo neste palco
O escuro me sufoca
Filhos de Malcon McLaren
É o som que toca
Num velho cassete

Quando não mais falarem
Esqueço o texto
E tudo se repete
Meu desempenho bissexto
É o preço que se paga
E o cheiro de álcool
Traduz a sina
De setenta até sete

Num velho cassete
Não mais som toca

domingo, setembro 26, 2010

A Arte de Amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Manuel Bandeira

sexta-feira, setembro 24, 2010

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira

quinta-feira, setembro 23, 2010

São

Neste dezesseis de Setembro um conhecido nosso resolveu desistir. Eu não era um amigo, mas apenas um conhecido. Chegamos a tomar algumas cervejas juntos, mas o mais importante é que compartilhamos amigos. Alguns meus eram alguns dele. Ou muitos. Ele teve perdas das mais difíceis e profundas. Quem olha de fora, talvez as entenda como simples e rasas. Mas só quem está ali é que sabe como tudo acontece.

Ele deixou um texto que foi compartilhado por um dos amigos compartilhados. Nem sei se eu deveria colocar aqui esse texto. Não sei se ele gostaria ou não. Ele não me diria antes, muito menos agora. Quando o li, não pude deixar de pensar em nós, os amigos que compartilharam de sua existência. Mesmo eu, que tão pouco com ele convivi. E então, resolvi compartilhar também.

Quando li, não pude deixar de pensar em mim. Quando li, não pude deixar de pensar em perdas que sofri. Quando li, não pude deixar de pensar em pessoas que perdi. Quando li, não pude deixar de pensar em sonhos que ficaram nos caminhos. Quando li, não pude deixar de pensar nos amigos compartilhados. Mas, quando li, não pude deixar de voltar a ter os olhos em direção a sonhos que nós todos, que já tanto caminhamos, ainda podemos ter.

Paz para a alma do Sãozinho.



"Não haverá amanhã.

Quando todas as portas se fecham, abre-se o injustificável.
Uma covardia para qual se necessita uma coragem imensurável.
É o fim... meu fim.
Eu tentei...
Tentei muito...
E foi tentando que muitas vezes acertei,
e que provavelmente que eu também errei.
Vivi, sobrevivi, insisti...
Fiz de tudo um pouco, e do pouco muito.
Ainda assim este muito foi pouco.
Cansei...
Perdi a esperança... e sem ela não existe vida.
Desisti de mim, o que mais posso fazer.

Na equação da vida onde tudo é a somatória do “ser e do estar” eu me esqueci da plenitude do que é o viver.
Convivi com pessoas fantásticas.
Dentre todas, minha companheira de jornada, meu tesouro, meu baluarte, meu amor.
Tive amigos que me surpreenderam nas horas incertas e amargas, amigos de ombros largos.
Como também tive amigos que não me surpreendeu, talvez por não tiver dados a eles uma chance.
No emaranhado da vida eu me perdi,
Perdendo todos os sonhos...
E sem sonhos não se vive.

Acabei desistindo de mim.
Desistindo de tudo.
Meus motivos aos olhos de outrem podem ser fúteis,
Porem pra mim, era o meu tudo. E eu perdi este tudo.
Em algum lugar de minha existência, perdi a essência do que é viver.
Por isto não haverá amanhã pra mim.
Sem rancores, sem magoas
Apenas cansei de continuar vivendo este milagre que é a vida.
Porem para mim estava sendo muito difícil levá-la ou deixar ela me levar.
Viver nos últimos tempos era um tormento, uma tortura ver as horas passarem e eu passar com elas.
Quero estar leve
Morrer, de um jeito ou de outro, todos nós vamos um dia.
Apenas furei a fila.
Antecipei o tempo."


domingo, setembro 19, 2010

Ao coração que sofre

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.

Olavo Bilac

sábado, setembro 18, 2010

Poesia

Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.

No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.

Ele está cá dentro
e não quer sair.

Mas a poesia desse momento
inunda minha vida inteira.


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, setembro 17, 2010

Love

Foto: Annie Liebovitz

quarta-feira, setembro 15, 2010

Antônio Poteiro - 2

John and George


Quem entendeu bem os Beatles acabou sempre tendo uma certa preferência por esses dois. Não sei a razão disso e do fato dos dois terem ido primeiro. Deve ser pra sacanear mesmo...

Mas apareceu essa foto aí, dos idos de 1974 e é uma preciosidade. Deixo aqui o link do Plastic Ono Blog, que foi o primeiro blog em português que publicou a foto. Seria o meu o segundo?


segunda-feira, setembro 13, 2010

domingo, setembro 12, 2010

sábado, setembro 11, 2010

Inscrição

Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?
Não encontro caminhos
fáceis de andar
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar
E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança, em cada lugar.
Rastro de flor e estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.

Cecília Meireles

Goodbye Blue Sky 091101

Celeste

Dias passam em sequência
Sem que o Sol se canse
Na sua clara essência
De buscar a sua chance

E a Lua no céu clareia
Seu próprio caminho no chão
Pr’aquilo que ela anseia

E se olham e se buscam
E se ligam e se tocam
Giram em elipses
Clamam por eclipses
Um quantum de luz
Mais que seduz
Explode em paixão
À palma da mão

E no amanhecer e no poente
Se vêem distantes
E a Lua sabe o que o Sol sente
Em todos os instantes

E o Sol no céu sozinho
Conduz seu próprio corpo
Pr’aquele que é seu caminho

Noite e dia, dia pós noite
Lua e Sol em comunhão
Separados por um açoite
Mas juntos, num só coração

sexta-feira, setembro 10, 2010

Espelho de Água

Escrevi esse poema quando eu tinha vinte anos. Algumas coisas são perenes, mesmo em meio a tantas efêmeras. E assim, mesmo agora, tantos anos depois, leio esses versos e acabo me vendo ali, na beira do rio.



Espelho de Água

Chego na beira do rio
E olho para aquele espelho de água.
Estou bem na minha frente
Me delatando
Me denunciando
Me cobrando.
Às vezes eu me olho turvamente,
Ondulantemente
Tranquilamente
Bem na mente.
Sinto-me olhando-me no fundo,
No meu fundo, do fundo do rio.
Não sei porque, mas rio,
E acho graça
Sentindo-me olhado por mim.
Aí então,
Com a minha mão,
Toco a água,
Quebro o espelho
E lavo meu rosto.



quinta-feira, setembro 09, 2010

Screen Technology

De vez em quando achamos que o futuro parece ser algo lá no horizonte. Mas às vezes, parece que ele está ali na esquina. Ou aqui na tela do computador.



terça-feira, setembro 07, 2010

Maria do Carmo

Maria do Carmo trouxe o amor em seu nome e também em seu olhar, em seu jeito de cuidar das pessoas, em sua generosidade.

Sua alma sempre mostrou a transparência de sua franqueza. E assim, por toda uma vida, a verdade foi sua palavra.

Com um coração que não lhe cabia, deixava à tona a emoção por bocas e olhos. Com a garra de quem veio antes, abraçava toda luta que lhe aparecesse.

Filha de fibra, irmã de luz. Mulher de paixão, mãe de amor, de exemplo e dedicação. Maria do Carmo trouxe o amor em seu nome. E o deixou entre nós.

Friendly words

O Júnior Degani é um contribuinte de sempre desse blog e essa é mais uma indicação dele. Esse vídeo veio junto com palavras amigas que sempre recebo dele, as quais agradeço aqui, em público.

Fistful of Mercy from Fistful of Mercy on Vimeo.