O assunto desse texto do Cabral já foi utilizado aqui nesse blog. E em todos os lugares onde alguém possa escrever. Sobre o tema, músicas melosas foram feitas. Outras nem tanto ficaram guardadas com a gente. A Ciência já se debruçou também sobre essa conversa de amigos. Concluiu que os amigos influenciam sim, como diziam nossos pais. Até pra engordar.
Tenho um amigo que batia na janela do meu quarto às três da manhã pra me chamar pra tomar cerveja. E eu ia. Há mistérios, mágica, mil coisas doidas que nos ligam a essas pessoas. Sabe-se lá o que são.
Para que serve um amigo, você me perguntará. Não dá para responder com tese. Talvez com história.
Dos amigos, interessante, me lembro mais dos que já não o são do que daqueles que perduraram e ainda estão por aqui. Os que ficaram não mais notaram minha barriga, os brancos da cuca, o gosto excessivo pelo passado ou os sucessos medianos que coleciono. É que enxergar o tempo em nós apenas é possível por esses detalhes que só os já distantes têm os olhos para ver. A proximidade só permite tocar o essencial. Mas nem sempre é o essencial que conta sobre o que vale a pena.
Eu tenho três amigos. Só três sobraram. Que bom que a história, as circunstâncias e minha chatice fizeram o favor de filtrar os grãos finos daqueles que sobreviveram ao tempo. São estes que levamos na capanga como os falsos cristais que colecionávamos como diamantes quando éramos crianças. A fantasia não é uma mentira, é a poção mágica que damos ao mundo para que as pedras nos cantem e os muros nos deixem passar.
O primeiro amigo jamais permitiria que eu o chamasse assim. Se ele ler isso, se indignará e na primeira oportunidade me fará outro de seus favores: me mostrará que estou errado, mais uma vez. Uma vida interessante talvez possa ser contada pelas aventuras a que nos dedicamos, aquelas pequenas bobagens que conseguimos contrapor à seriedade do mundo. A maior parte das minhas foram feitas ao lado dele. Andamos de bicicleta pela América do Sul, escrevemos nossas primeiras linhas no Calabouço, fomos a uma final do Atlético no Mineirão. Ele sempre a me chamar de gordo, mesmo quando minha adiposidade era só de 4% e eu tentava uma vaga para o IronMan do Havaí. Ele sempre a me alertar sobre o desperdício, insistindo que a média não era o melhor local para gente como eu. E enquanto eu tentava sair do lugar, ele já se banhava na cachoeira mais próxima. Gostava de dizer que melhor que sair à rua como quem foge de casa, era fugir de casa como quem vai à rua. Nunca gostou de revoluções e de barulho. Talvez por isso seu silêncio e sua discrição contem melhor como ele transformou suas pequenas bobagens em diamantes. Gostava de me lembrar que a morte é o melhor alívio para os desperdiçados. Mas que, geralmente, nem a morte eles conquistam, porque falta vida para morrer. É um dos que vivem seu tormento com a sabedoria dos que aprenderam que é preciso parar de brigar com a própria loucura, muito menos colocá-la no ringue com a dos outros. Nas palavras dele: “quando morrermos, morrerá também uma forma de ver o mundo”. Vivo e com os olhos abertos como poucos.
O segundo amigo é uma mulher. Nas vésperas de seu primeiro casamento não fui convidado. É que ela ainda não sabia da amizade que teríamos. Mas nunca a perdoei de qualquer forma. Porque foi uma festa grande. Hoje, no segundo casamento, ela prepara outra festa.Vai ter um filho, que insisto em chamar de Malu, porque gostaria que fosse mulher. Ela sempre teve que conviver com meu egoísmo. E aquela esquina que nos conhecemos e plantamos o melhor de nós eu ainda levo aqui dentro por onde vou. Poucas pessoas me deixaram falar tanto. Para poucos falei tanto. O que é uma pena. Porque ler seus textos, ouvir sua música, suas histórias e a agonia e a grandeza da sua alma era muito mais interessantes que saber das minhas misérias. Quando eu for velho a pedalar solitário para Martinésia ou quando voltar do Himalaia, é bem provável que seja na companhia dela que estarei para ouvir que estou velho, gordo e chato como nunca. Sorrirei mais uma vez, como sempre.
Meu terceiro amigo não é uma pessoa. Mas uma mesa imaginária: a Santa Sexta, um grupo de fanfarrões geniais que se reúnem há mais de dez anos, todas as sextas, para celebrar o que o espírito humano tem de maior: a fome. Cada um a sua maneira contribuiu para que eu parasse de dividir minha existência entre o medíocre e o herói. Deles, aprendi que a vida pode nos tirar tudo, mas que aquilo que resta tenha pelo menos tempero. Somos esse grupo multidisciplinar de autodidatas onívoros, apenas tentando responder às grandes questões que nos iguala e talvez um dia nos leve além: será a vida possível quando não mais tivermos ereções ou após uma broxada? No fundo, o encontro é só (e não é pouco) um grande exercício cuja pretensão máxima é no mínimo dominar o mundo e colocar tudo num blog para que as próxima gerações possam saber do que uma mente desocupada e bem alimentada é capaz. Nossa metafísica acontece num restaurante qualquer (ainda queremos esquecer aquele longo inverno no shopping) com a desculpa de debater (e se possível comer) os grandes temas: bundas, tetas, internet, música, Deus, inimigos e videogame. Mas a melhor pauta mesmo é perceber como estamos todos piores com o tempo, independente do dinheiro e das mulheres de cada um. Menos o Roberval, claro.
Que não seque nossa memória, para que as histórias não fiquem ralas. Porque nosso testemunho por aqui é frágil em todas suas linhas e na sua extensão. Mas épico e humano também por isso. Para que serve, então, um amigo você pergunta? Para nada mais do que poder caminhar. Nascemos sozinhos, morreremos sozinhos, mas, como dizem, a vida é uma travessia. E o que é belo em nós é mesmo esse estar a caminho. No fim, você vai notar, o que importa não são as histórias, mas a força que elas dão para nos desprendermos, que nos permitem dar prova (ao mundo e nós mesmos) de nossa tentativa de desafiarmos a morte. E por isso meus amigos são essa ponte e esse corrimão, sem o qual não teria testemunha para meus afetos, para o desgosto das quedas nem para celebrar o gosto por esse mistério que é estar por estas bandas.
Dizem desde há muito tempo que estamos todos dentro dessa caverna, distraídos a nos enganar com as sombras de sua parede. Que o mundo lá fora é outro, muito mais legal. Não sei. Mas que bom é ter a companhia de outros enganados, ou desenganados, para tentarmos esse desprendimento e apenas bebermos juntos enquanto a revelação não vem. E acho mesmo que não virá. Também não importa. Porque juntos, o tempo que passa não é o tempo que corre, mas o tempo que permanece. Juntos até o fim dos tempos meus amigos.
Por Renato Cabral
Tenho um amigo que batia na janela do meu quarto às três da manhã pra me chamar pra tomar cerveja. E eu ia. Há mistérios, mágica, mil coisas doidas que nos ligam a essas pessoas. Sabe-se lá o que são.
Para que serve um amigo, você me perguntará. Não dá para responder com tese. Talvez com história.
Dos amigos, interessante, me lembro mais dos que já não o são do que daqueles que perduraram e ainda estão por aqui. Os que ficaram não mais notaram minha barriga, os brancos da cuca, o gosto excessivo pelo passado ou os sucessos medianos que coleciono. É que enxergar o tempo em nós apenas é possível por esses detalhes que só os já distantes têm os olhos para ver. A proximidade só permite tocar o essencial. Mas nem sempre é o essencial que conta sobre o que vale a pena.
Eu tenho três amigos. Só três sobraram. Que bom que a história, as circunstâncias e minha chatice fizeram o favor de filtrar os grãos finos daqueles que sobreviveram ao tempo. São estes que levamos na capanga como os falsos cristais que colecionávamos como diamantes quando éramos crianças. A fantasia não é uma mentira, é a poção mágica que damos ao mundo para que as pedras nos cantem e os muros nos deixem passar.
O primeiro amigo jamais permitiria que eu o chamasse assim. Se ele ler isso, se indignará e na primeira oportunidade me fará outro de seus favores: me mostrará que estou errado, mais uma vez. Uma vida interessante talvez possa ser contada pelas aventuras a que nos dedicamos, aquelas pequenas bobagens que conseguimos contrapor à seriedade do mundo. A maior parte das minhas foram feitas ao lado dele. Andamos de bicicleta pela América do Sul, escrevemos nossas primeiras linhas no Calabouço, fomos a uma final do Atlético no Mineirão. Ele sempre a me chamar de gordo, mesmo quando minha adiposidade era só de 4% e eu tentava uma vaga para o IronMan do Havaí. Ele sempre a me alertar sobre o desperdício, insistindo que a média não era o melhor local para gente como eu. E enquanto eu tentava sair do lugar, ele já se banhava na cachoeira mais próxima. Gostava de dizer que melhor que sair à rua como quem foge de casa, era fugir de casa como quem vai à rua. Nunca gostou de revoluções e de barulho. Talvez por isso seu silêncio e sua discrição contem melhor como ele transformou suas pequenas bobagens em diamantes. Gostava de me lembrar que a morte é o melhor alívio para os desperdiçados. Mas que, geralmente, nem a morte eles conquistam, porque falta vida para morrer. É um dos que vivem seu tormento com a sabedoria dos que aprenderam que é preciso parar de brigar com a própria loucura, muito menos colocá-la no ringue com a dos outros. Nas palavras dele: “quando morrermos, morrerá também uma forma de ver o mundo”. Vivo e com os olhos abertos como poucos.
O segundo amigo é uma mulher. Nas vésperas de seu primeiro casamento não fui convidado. É que ela ainda não sabia da amizade que teríamos. Mas nunca a perdoei de qualquer forma. Porque foi uma festa grande. Hoje, no segundo casamento, ela prepara outra festa.Vai ter um filho, que insisto em chamar de Malu, porque gostaria que fosse mulher. Ela sempre teve que conviver com meu egoísmo. E aquela esquina que nos conhecemos e plantamos o melhor de nós eu ainda levo aqui dentro por onde vou. Poucas pessoas me deixaram falar tanto. Para poucos falei tanto. O que é uma pena. Porque ler seus textos, ouvir sua música, suas histórias e a agonia e a grandeza da sua alma era muito mais interessantes que saber das minhas misérias. Quando eu for velho a pedalar solitário para Martinésia ou quando voltar do Himalaia, é bem provável que seja na companhia dela que estarei para ouvir que estou velho, gordo e chato como nunca. Sorrirei mais uma vez, como sempre.
Meu terceiro amigo não é uma pessoa. Mas uma mesa imaginária: a Santa Sexta, um grupo de fanfarrões geniais que se reúnem há mais de dez anos, todas as sextas, para celebrar o que o espírito humano tem de maior: a fome. Cada um a sua maneira contribuiu para que eu parasse de dividir minha existência entre o medíocre e o herói. Deles, aprendi que a vida pode nos tirar tudo, mas que aquilo que resta tenha pelo menos tempero. Somos esse grupo multidisciplinar de autodidatas onívoros, apenas tentando responder às grandes questões que nos iguala e talvez um dia nos leve além: será a vida possível quando não mais tivermos ereções ou após uma broxada? No fundo, o encontro é só (e não é pouco) um grande exercício cuja pretensão máxima é no mínimo dominar o mundo e colocar tudo num blog para que as próxima gerações possam saber do que uma mente desocupada e bem alimentada é capaz. Nossa metafísica acontece num restaurante qualquer (ainda queremos esquecer aquele longo inverno no shopping) com a desculpa de debater (e se possível comer) os grandes temas: bundas, tetas, internet, música, Deus, inimigos e videogame. Mas a melhor pauta mesmo é perceber como estamos todos piores com o tempo, independente do dinheiro e das mulheres de cada um. Menos o Roberval, claro.
Que não seque nossa memória, para que as histórias não fiquem ralas. Porque nosso testemunho por aqui é frágil em todas suas linhas e na sua extensão. Mas épico e humano também por isso. Para que serve, então, um amigo você pergunta? Para nada mais do que poder caminhar. Nascemos sozinhos, morreremos sozinhos, mas, como dizem, a vida é uma travessia. E o que é belo em nós é mesmo esse estar a caminho. No fim, você vai notar, o que importa não são as histórias, mas a força que elas dão para nos desprendermos, que nos permitem dar prova (ao mundo e nós mesmos) de nossa tentativa de desafiarmos a morte. E por isso meus amigos são essa ponte e esse corrimão, sem o qual não teria testemunha para meus afetos, para o desgosto das quedas nem para celebrar o gosto por esse mistério que é estar por estas bandas.
Dizem desde há muito tempo que estamos todos dentro dessa caverna, distraídos a nos enganar com as sombras de sua parede. Que o mundo lá fora é outro, muito mais legal. Não sei. Mas que bom é ter a companhia de outros enganados, ou desenganados, para tentarmos esse desprendimento e apenas bebermos juntos enquanto a revelação não vem. E acho mesmo que não virá. Também não importa. Porque juntos, o tempo que passa não é o tempo que corre, mas o tempo que permanece. Juntos até o fim dos tempos meus amigos.
Por Renato Cabral
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