quinta-feira, julho 28, 2011

E eu achando que era amor - por Renato Cabral

Eu queria ter escrito algo aqui, pra efeito de preâmbulo, como sempre faço nos textos do Cabral aqui publicados, mas vou ficar com umtrecho do próprio texto, que destaco: "Mas esta história não é só minha. Esta é a história de todos nós, desses anônimos que movimentam os bares, os jardins e os cemitérios, porque até os suicidas querem ser felizes."



E eu achando que era amor.

Como começar um texto, que ao final, será uma declaração de amor, brega e inconstante?

Talvez do mesmo modo como um amor começa: de uma vez, daquele jeito que não conseguimos saber mais onde um deu a mão e o outro estendeu a dele. Deve ser por isso que tantos dizem que é da espontaneidade que nascem os melhores sorrisos e os melhores tropeços. Ela me derrubou. E estou rindo aqui do chão.

Mas esta história não é só minha. Esta é a história de todos nós, desses anônimos que movimentam os bares, os jardins e os cemitérios, porque até os suicidas querem ser felizes. É a história desses tantos que se esbarram pelas esquinas ou se encontram nos balcões por aí. As coisas sempre dando seu testemunho dos nossos melhores acasos. E nós como os alvos desavisados de cupidos incansáveis.

É que ela me acertou com a beirada da coxa e uma frase de humor. Primeiro o joelho, depois a franja dançando sobre os olhos. Foi o bastante para o álcool do corpo ir para alma. Fiquei bêbado num estalo. E os bêbados são tolos, mas não são mentirosos. Meu sorriso entregava minha dissimulação. Eu tentando pajear minha falta de jeito, tentando me fazer maior e mais interessante, e os dentes contando que eu já estava de joelhos, voluntariamente preso a tudo aquilo quando ela mexia os cabelos. E nos beijamos. O beijo dela como um abraço de lábios, que durava mesmo quando ela já não estava.

O tempo passava e entre um encontro e outro tinha aquela coisa que colava o último momento no próximo. Eu achava que era saudade. E isso virou meu jeito de visitar o dia não mais com esperanças tolas e expectativas além do alcance dos braços, mas livre de tudo que não fosse só o essencial. E o essencial era já não precisar de nada a não ser ela, porque ela trazia tudo.

Seu jeito de me fazer importante, mas desnecessário, era o motivo que mantinha minhas cambalhotas no picadeiro, tudo para fazê-la continuar brilhando os olhos. Porque são os cílios, vocês sabem, os delatores dos que estão apaixonados. São esses pequenos braços que acariciam a bochecha do outro. E os meus ganharam os dela num beijo de olho.

Seu sorriso era mais obsceno que qualquer decote. Eu a namorando sem ela saber, fosse comprando um ingresso para o cinema, fosse pedindo por ela antes de dormir. Fosse aceitando em mim que ela ainda tinha outros e que ainda não era só minha. E por isso, conquistá-la tinha tanto sabor.

Em casa ela fazia outra de suas mágicas. Conseguia tornar todos os cômodos em quarto. E todo canto era uma desculpa para o sexo. Nossa fantasia era aquela que se vestia num abraço. Simples assim. Nos encostávamos e isso bastava. A ansiedade por ela tinha cheiro de coisa boa, era vontade de ficar por perto. E essa gana, era nosso jeito de nos ver de novo, mesmo longe.

Eu me distraia nas suas tatuagens. E ela achava que eu era muito baixinho. Deboche que mascarava o que ela também estampava na bochecha, vermelha, também quente de vontade. Eu não gostava das suas rasteirinhas e ela não gostava de ter os pés longe do chão, mas os braços estendidos ao céu mostravam que ela queria era voar. Era livre como poucas. E na impossibilidade de voar junto, porque já tinha por demais o peso do mundo nos ombros, me tornei lugar de pouso, de onde ela ia e vinha quando queria. Era a nossa fidelidade jurada sem palavras. Fiel ao outro sem nunca pedir nada em troca.

E para ela dei tudo, até aquilo que nunca gostei em mim. Era meu jeito de dizer que ao seu lado, estava em casa e até minhas pequenezas ficavam mais interessantes. Com ela, perdi a vergonha de ficar louco. E por não me negar mais, nunca mais falei sozinho nem joguei pedras no mundo. Aprendi que as lágrimas podem esperar quando a prioridade é ser alegre. Depois disso, não parei mais de sorrir. Como nas boas histórias, ainda não consigo prever o final deste filme. Porque de tão presente na narrativa, ela se tornou minha própria vida.

Por não termos saída um para outro, vivemos todos os dias nossa impossibilidade de fuga. E, assim, tenho aprendido que nossa relação não tem fim, porque se a paixão pode morrer ou se transformar em tanta coisa, até no desgosto, o amor só pode virar a eternidade. Mas aí, quando eu achava que era amor, ela veio e me disse: “Um afeto tão novo, tão irreconhecível. Te tenho como minha nuvem, que muda de forma a cada instante. Melhor esse afeto não ter nome para não significar nada e dar sentido a tudo”.

Para você, então, meu motivo, já posso agora te contar. Saudade não é sentir a falta de alguém ausente. Saudade é quando você encontra aquela pessoa e ao abraçá-la, descobre, repentinamente, naquele momento mesmo, como ela fazia falta. É por isso que a saudade só é possível com o amor. É por isso que te esperei a vida inteira. E é isso que sinto todos os dias quanto te vejo e te abraço. Não fique longe. Porque com você ausente, minha saudade morre. E meu amor também. Porque para nós, melhor que eu te amo é tenho saudade de você.

Renato Cabral

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