domingo, fevereiro 17, 2008

Doce de leite

Doce de leite é uma delícia. Meu primo Júnior me disse agora há pouco que, se colocar ele para congelar, fica mais gostoso ainda. Nunca tinha tido essa idéia. Mas então, segue aí uma receita. De doce de leite. Porque além do gosto, a cor é linda. Tem cor de certas peles.

Doce de leite cremoso

Ingredientes:

2 litros de leite; 4 xícaras de açúcar (750g).

Modo de Preparo:

Coloque o leite e o açúcar numa panela grande de fundo largo. Leve ao fogo médio, mexendo sempre com uma colher de pau, até ferver (cerca de 15 minutos). Diminua o fogo e continue mexendo até obter um doce marrom claro de consistência cremosa (cerca de 45 minutos). Passe o doce para um refratário, deixe esfriar bem e sirva às colheradas em pratos de sobremesa com fatias de queijo branco. DICA: Para obter um doce com textura bem delicada e cremosa, é preciso mexer o leite sem parar. Primeiro para dissolver por completo o açúcar e depois para que ele caramelize por igual e não forme grumos (bolas) no fundo da panela.

sábado, fevereiro 09, 2008

Mineiro

Dizer “mineiro desconfiado” é pleonasmo. Ser mineiro não é fácil. Pode-se nascer mineiro, em Minas Gerais, mas é como uma arte. Vai se aperfeiçoando com o tempo. A observação, o aprender com os erros dos outros e com os próprios. O mineiro não se entrega de primeira. Vai devagar, “suntando”, pra só depois dizer a que veio. Eu sei como é.

Mas quem sabia mesmo era Fernando Sabino. Esse grande mineiro que tão bem escreveu sobre nós. E escrevia de uma maneira que tornava impossível deixar o livro antes do final de uma história. Quem se aventura a escrever alguma coisa, assim como eu, tem que procurar aprender com o cara.

Eu não conhecia o texto aí embaixo. Foi meu amigo Júlio Morsoletto quem enviou. O Júlio é paulista, lá do centro do estado. Mas acho que já é escolado na arte de ser mineiro.


Como é que o mineiro escolhe advogado

— Imagine o doutor que eu comprei uma fazendinha, coisa de nada. Pois não é que o meu vizinho, que tem um fazendão, não veio criar pendenga comigo por causa de um pedacinho de terra à toa? Comprei de papel passado, que diz que meu terreno vai até o riacho além da cerca dele. Ele diz que aquele pedaço é dele, por usucapião, e está ocupado há mais de trinta anos, pode provar. Plantou uma árvore lá quando chegou.

— Você tem escritura registrada, tudo direitinho, tudo em ordem?

— Tudo direitinho doutor, tudo em ordem.

— Então deixa comigo. A causa está ganha.

— E a árvore?

— Que árvore que nada. Uma árvore não prova coisa alguma.

Ele agradece a vai saindo de fininho. Parte para outro advogado, e a conversa se repete. Assim, de advogado em advogado, acaba encontrando um que se recusa a aceitar a causa:

— Usucapião é coisa séria. A posse do outro é que conta. Ele pode provar, é fácil arranjar testemunha. E tem a tal árvore que ele plantou há mais de trinta anos. O senhor vai perder na certa.

— Então é o senhor mesmo que eu quero, decide o mineiro: eu sou o outro. O da árvore.

Fernando Sabino

terça-feira, fevereiro 05, 2008

O Mio Babbino Caro

Em Setembro de 2007 escrevi algo aqui sobre ópera. Era sobre o Pavarotti, mas era muito mais que isso. Era sobre aprender coisas com meu pai, que apenas muitos anos depois pude dar valor. É sempre assim. Coisas maravilhosas que escutamos deles e só muito tempo depois absorvemos. Como a ópera. E essa coisa maravilhosa me tocou um dia.

E em várias ocasiões, em filmes principalmente, ouvia uma ária maravilhosa, mas sempre perdia a oportunidade de identificar qual era, quem cantava, quem era o autor. Mas através do meu filho, que assistia a um filme, consegui identificar. De certa forma, algo já me dizia que era Maria Callas. Imaginei que meus ouvidos já estivessem treinados para captar os mínimos detalhes. Mas tenho certeza que não. Foi apenas o óbvio. No link abaixo, um vídeo antigo dessa americana de ascendência grega, considerada a melhor soprano que o mundo já ouviu, pode mostrar a beleza de sua voz e da ária O Mio Babbino Caro, que é um trecho de Gianni Schicchi, de Giacomo Puccini. A ária é belíssima e ouvindo-a nas vozes de outras sopranos dá pra perceber as nuances que cada uma delas dá à obra. Talvez na primeira audição, nem tanto. Mas ao ouvir novamente, abrindo bem os ouvidos e a alma, dá para perceber. A romena Angela Gheorghiu e a russa Anna Netrebko não são tão famosas quanto a neozelandesa Kiri te Kanawa, mas têm além de suas vozes lindas uma presença em palco que destoa completamente daquele estereotipo de “tia velha italiana”, que de certa maneira acabei formando nos meus tempos de adolescência, quando meu pai me mostrava algumas delas cantando.

Muita coisa na vida, depois que a descobrimos, vem a sensação de que perdemos muito tempo ficando longe dela. A gente pensa: Onde eu estava por este tempo todo? Com essa ária, foi a mesma coisa. Escutei e escutei até que vieram reclamar por aqui. Mas a cada audição, a cada emoção eu me perguntava: Onde eu estava por este tempo todo?

sábado, fevereiro 02, 2008

Horizontal Rain

Desmancha-se o céu

Deslancha-se o destino seu

Intestino sentimento meu

Nem mel tampouco fel

Procrastino o alimento meu

Atraso o himeneu

Não penso na Lua de Mel


Nuvens de algodão

Encharcadas

Das lágrimas embaçadas

De ocasião

Despencam em mim

Por sobre o chão

Estraçalhadas

Pelo carmim

Dos lábios teus

Que não rezam, são ateus

E que por fim

Gozam

Com o sim e com o não




terça-feira, janeiro 29, 2008

Do bardo

“Ser ou não ser eis a questão.

Será mais nobre sofrer na alma

Pedradas e flechadas do destino feroz

Ou pegar em armas contra o mar de angústias

E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir;

Só isso. E com o sono – dizem – extinguir

Dores do coração e as mil mazelas naturais”


William Shakespeare, em Hamlet


sábado, janeiro 26, 2008

Prosas curtas sobre separações - 3

Em Dezembro publiquei um texto que faz parte desse grupo de prosas curtas sobre separações, do qual esse agora faz parte. Depois do post vieram me perguntar se é ficção ou se aquilo aconteceu. Disseram que há detalhes demais para não ter acontecido de verdade. Mas é ficção. Mas há coisas ali retiradas de coisas acontecidas. Não necessariamente comigo. Podem ter acontecido comigo. Ou com você que me lê, caro leitor... O bom da ficção é isso. Talvez não aconteceu... Mas pode ter acontecido. Com você, comigo, com o cara que mora em frente, com o personagem de um filme antigo que passa na TV de madrugada. Ou com seu pai.

Neste post, acontece o mesmo. Muita coisa aí pode ter acontecido. Outras poderiam. O limiar do acontecer é tênue demais. Um mínimo desvio e aquilo que poderia ter acontecido fica apenas na imaginação. Na ficção. Ou não.

Não posso tirar meus olhos de você

Enquanto assinava a fatura do cartão de crédito para pagamento de quarenta litros de gasolina e de uma garrafa de água mineral, percebeu que todas as pessoas que estavam próximas ao pátio do posto olhavam curiosas para aquela obra de arte montada sobre quatro pneus. Claro que não era a primeira vez que isso acontecia. Houve casos de crianças que pediam para dar uma voltinha, sob o olhar de adultos morrendo de inveja e se arrependendo de terem crescido e perdido a inocência das crianças. Nestas horas, esta inocência fazia toda a diferença. Guardou o cartão na carteira, pegou as chaves do bolso, tirou uma folha de uma sete copas que havia se jogado sobre a capota preta, entrou na obra de arte e todos lhe olhando. Quando pôs a chave na ignição e a girou, o motor V8 de 365hp roncou grave, maravilhando agora os ouvidos dos donos dos olhos já maravilhados na platéia. Reparou que um adolescente falou algo com muita convicção para alguém que deveria ser seu pai, que concordou com a cabeça, sorrindo. Engatou a ré e começou a se afastar lentamente, quase que para não atrapalhar o deleite das pessoas. Foi quando se aproximou da dupla e pode escutar quando o filho disse ao pai que o carro era tão bonito que não podia tirar os olhos dele. Sentiu que havia poesia naquelas palavras, sentiu-se parte dela e sorriu interiormente, pois também sentia a mesma coisa. Acelerou pelo piso de paralelepípedos e quando já saía do posto, tomando a rodovia, olhou pelo retrovisor externo e todas aquelas pessoas olhavam em sua direção, com rostos quase que extasiados.

Manteve na memória o rosto do tal adolescente e se lembrou que foi naquela idade, com uns quatorze ou quinze anos, que vira pela primeira vez um Chevelle. Era uma época que não existiam carros importados no país e apenas por ser um, já era muita novidade. Mas as formas do carro, o barulho do motor, tudo isso maravilhou aquele adolescente dos anos 70. Naquela época, aquele exemplar já tinha uns três ou quatro anos, mas seu proprietário cuidava dele como uma obra de arte que realmente era, por isso sua aparência de zero quilômetro que aquele adolescente imaginou ser. Só muito tempo depois é que ficou sabendo que aquele era um Chevrolet Chevelle SS 454, ano 1971.

Depois de quase trinta anos, estava ele dirigindo um destes exemplares raros de máquinas que não se fabricam mais. Observou o interior do carro e se lembrou como estava quando o comprou, quase pronto para o ferro velho. O interior fora inteiramente refeito: forrações, bancos, painel. A maioria com equipamentos originais e reformados. Olhou para frente e viu apontando para a faixa preta de asfalto sendo engolida, o capô vermelho com as duas faixas pretas, que se repetiam na traseira. Começou a se concentrar na viagem, pois algum apressadinho num carro de último tipo acabara de lhe ultrapassar de forma perigosa. Mas não conseguia deixar de pensar como o sonho adolescente de possuir um Chevelle o acompanhou e talvez tenha interferido em outros, positiva ou negativamente. Esta viagem era um destes exemplos. Estava sendo realizada exatamente para resgatar um outro sonho quase perdido. Mas pensava no garoto no posto com o pai, em suas palavras, quando se lembrou de uma fita cassete que deveria estar no porta-luvas do carro. Segurou a direção, se inclinou para a direita e, mantendo a vista para a rodovia, vasculhou entre vários objetos em busca da fita. Lá estava ela, solta, sem a caixa que havia se quebrado há muitos anos. Olhou para a etiqueta grudada onde leu: “Janeiro de 1983”. Quem a gravou não havia se importado com os títulos das músicas, muito menos com seus intérpretes, por isso, ele procurava uma música, que por ter marcado tanto sua vida, sabia seu nome. A música havia sido gravada por vários artistas, mas curiosamente, nunca ficara sabendo a intérprete daquela gravação. Colocou-a no toca-fitas e começou a procurar a música. Achou-a facilmente, tantas e tantas vezes que havia feito esta operação vinte anos atrás.

Oh! Pretty baby!... I need you baby!, cantava a plenos pulmões. Pelo jeito que cantava, acabou se lembrando de um filme que o marcou, mas que não se lembrava do nome. Era algo como The deer hunter, com Robert de Niro em mais uma de suas magistrais interpretações, além da cena que tanto o marcou, com a personagem de Christopher Walken metendo uma bala na própria cabeça. O filme tratava de pessoas que tinham uma vida tranqüila, caçadores de finais de semana, que de uma hora para outra se viram metidos numa guerra que não lhes pertenciam e viam suas vidas se perderem nas selvas e pântanos do Vietnã. Neste filme, numa cena ótima, soldados em folga tomavam cerveja e jogavam bilhar e cantavam aos berros — como ele cantava agora — a mesma música sobre uma gravação de Frank Valli. Aquela vez no cinema, não era a primeira que a havia escutado. Era uma canção que fez sucesso nos anos 60, mas ele era apenas um menino então. Como uma música de sua época de infância pôde marcá-lo tanto assim? Tornara-se a música que embalou o caso de amor de sua vida, agora realmente havia se certificado disso. Estava naquela estrada por isso. Não admitia perder um sonho assim, sem lutar. Já tinha concluído que havia dirigido sua vida de uma maneira que agora se arrependia. Conseguiu o Chevelle e toda a epopéia de sua restauração apenas porque utilizou esta tal “maneira” de dirigir sua vida. Havia conseguido muito para um menino encantado por um automóvel, mas absolutamente sem dinheiro para consegui-lo. Mas só pensava agora em retomar um sonho que em nada dependia desta sua “maneira”. A atriz principal do seu filme — cuja trilha sonora urrava dentro do carro —, que há vintes anos lhe acompanhava, já não agüentava mais esta “maneira” de vida e voltara para sua cidade natal, no alto das montanhas.

Desligou o toca-fitas, pensou como iria chegar a ficar de frente para ela, depois de tudo o que havia acontecido, o que iria falar, se tocaria a música para ela se lembrar do tempo em que ela havia gravado a tal fita cassete, escrito aquela etiqueta com aquela data... O que realmente falaria a ela? Como isso era difícil para ele. Talvez dissesse algo como “não posso tirar meus olhos de você”. Não seria nada original, mas era verdade. Mesmo assim, já não tinha tanta certeza da decisão que tomara de viajar. Mas estava quase chegando. As curvas da estrada, serpenteando pelas montanhas mostravam isso. O dia ia se indo, o Sol já se apresentava apenas por seu poder laranja-vermelho a tingir o céu e uma fina fatia que ele observou intermitentemente pelo retrovisor, até desaparecer por completo.

O Chevelle ano 71 rolava imponente pelo asfalto juntando seu vermelho ao laranja do céu unindo-se no horizonte. A noite começava a cair e o que se viam eram apenas as luzes vermelhas das quatro lanternas redondas da traseira do Chevelle.

Música: Can't Take My Eyes Off Of You
Autores: Bob Crewe – Bob Gaudio
Intérprete: Gloria Gaynor (mas há outros: Frank Valli, Lauryn Hill e mais um mundo inteiro de pessoas que adoram essa música)
Filme: The deer hunter
(Ganhador do Oscar de melhor filme de 1978)
Direção: Michael Cimino
História: Michael Cimino, Deric Washburn, Louis Garfinkle, Quinn K. Redeker e Deric Washburn
Atores: Robert De Niro, Christopher Walken, Merryl Streep, John Savage, John Cazale.
Veja ficha técnica no link



terça-feira, janeiro 22, 2008

Rescaldo

Ou é o cisco no olho
Ou o estrepe no dedo
É sempre o aperto no peito
É sempre o sufoco do medo

Ou é o corte no pé
Ou um lábio trincado
É sempre o cerco ao jeito
De se olhar o passado

Ou é o amargo na boca
Ou um espinho na mão
O que sem dolo foi feito

Mas ficou no coração

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Laura

Mãe e Alma

Aura e Filha

A voz que acalma

O chão que se trilha.


No tempo de ver,

Foi a folha e o fruto,

A palavra e o pão.

No tempo de crer,

É a lembrança e o perfume

Que sempre fica na mão.


Mãe é alma

Laura é filha

Da terra que cria

O que chamamos coração.

sábado, janeiro 12, 2008

Depois demora muito para chegar?

Sempre se deixa algo pra depois. Os motivos são vários. Justificáveis ou não. Mas sempre alguma coisa fica pra depois. É a preguiça, é a inércia, é a letargia. É a falta de coragem. Coisas simples, como fazer a barba ou mais complicadas, como mudar o rumo de sua vida. Depois.

Mas... Depois, demora muito pra chegar? Quais são os eventos que farão que “depois” se transforme em “antes”? Depois existirá mais coragem que agora? Depois o Sol estará mais bonito? Depois serei um homem melhor? Por que depois? Há demora mesmo ou é apenas a percepção minúscula que temos do tempo do nosso ponto de vista comparado ao do Universo? Talvez não há como comparar o tempo que demora pra que um novo eclipse aconteça com o tempo de vida de um urso em um zôo. Qual é o tempo a partir do qual um abraço se tornou demorado? Como comparar esse tempo ao tempo de demora para que este abraço aconteça? Depois, ele vai acontecer? O urso no zôo vai viver pra ver um novo eclipse?

Mas sempre se deixam as coisas pra depois. A esperança é que elas se façam por si próprias. É talvez a inércia ou a falta de coragem. Ou outro motivo muito mais nobre. No entanto, a gente sempre se pergunta: O depois demora muito pra chegar?

terça-feira, janeiro 08, 2008

domingo, janeiro 06, 2008

Receita

Já na introdução deste blog eu dizia que falaríamos de tudo. E por que não de culinária? Na tarde da véspera de Natal escrevi algo sobre um tipo de rosca que minha mãe fazia na época. Acabei recebendo comentários de pessoas que também tiveram alguma experiência relacionada a esse tipo de guloseima. E com o auxílio precioso de pessoas assim, acabei reconstruindo a receita das roscas e, numa tarde de domingo como hoje, experimentei fazer algumas delas. Talvez não tenham ficado como aquelas que a Dona Laura fazia. Talvez, não. Com certeza não ficaram. As roscas agora têm um outro gosto. As mãos que sovaram a massa e as enrolaram são um pouco maiores que daquele moleque. As expectativas daquele menino eram bem simples e as roscas e a vida tinham um gosto também simples. As expectativas mudaram. As roscas também.

Rosca de Natal

Ingredientes

Um copo de açúcar cristal

Duas colheres de sopa de fermento de tablete (fermento biológico)

Dois copos tipo “americano” de leite morno

Quatro ovos mais uma gema

Um copo de óleo

Uma pitada de sal

Aproximadamente 1.200g de farinha de trigo

Uvas passas sem sementes

Ameixas pretas sem caroços

Modo de preparo

Numa tigela, junte o açúcar e o fermento, misturando até formar uma pasta quase líquida;

Junte o leite, os quatro ovos, o óleo e o sal. Vá misturando até tudo ficar homogêneo;

Junte aos poucos a farinha de trigo. Usar uma peneira para fazer a farinha se soltar é interessante. Aos poucos, vá amassando sempre, sovando a massa até desgrudar da mão, mas mantendo a maciez;

Retire da massa uma bolinha de aproximadamente uma polegada de diâmetro e coloque-a num copo com água. Quando ela subir à tona, a massa estará no ponto para ser moldada. Deixe a massa na tigela com um pano úmido cobrindo-a;

Com a bolinha na tona, retire nacos da massa e enrole conforme o seu gosto. Tranças triplas, duplas. O design é livre;

Coloque as tranças numa forma pré untada e com farinha de trigo polvilhada, para não grudar. Deixe-as separadas umas das outras, pois elas ainda crescerão;

Umedeça um pedaço de gaze na gema do ovo que sobrou e bezunte a superfície das roscas de forma heterogênea;

Coloque algumas passas e ameixas pretas por entre as partes côncavas formadas pelas tranças;

Deixe-as crescerem mais um pouco e coloque no forno. O tempo para assar vai depender do forno.

Acompanhamento

Para acompanhar, o que você preferir. Um tinto frutado será um bom companheiro. Mas café e manteiga também têm o seu lugar.

terça-feira, janeiro 01, 2008

Janeiro

Era um céu de Janeiro

Era um céu com estrelas

Azul da cor do mar

De noite

Na noite

Que o verde vestiu o luar


Céu de Janeiro

Céu que retorna ao Sol

Carrega as estrelas

Carrega a alma também

Trata com desvelo o sonho

Do encontro

Que ao tempo convém

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Seu lugar em 2008

Sempre entramos num ano novo mirando em mudanças. Tem sempre algo como “este ano vou fazer isso, este ano não vou fazer aquilo”... Mas a gente sempre esquece que na maioria das vezes são as mudanças que nos miram. Por mais que a gente afirme nossa disposição em tomar um novo rumo, há sempre vetores que nos levam a lugares que não prevíamos. E nem queríamos. E a gente acaba indo pra lugares que nem imaginava estar.

E talvez seja exatamente essa imprevisibilidade que traga a esperança. A esperança de que os tais vetores nos levem a lugares que não prevíamos. Mas que queríamos. Lugares que apenas vislumbramos nos sonhos mais difíceis de se realizar.

Assim, desejo a todos que os ventos da imprevisibilidade os levem a lugares novos, desconhecidos e maravilhosos. Ou a lugares nem tão novos, nem tão desconhecidos, mas assim mesmo, maravilhosos. Mas que seja o seu lugar.

terça-feira, dezembro 25, 2007

Priceless

Algumas coisas não têm preço. Não parece frase de comerciais. É uma frase de comerciais. Mas não têm mesmo. Se parar pra pensar, a gente ia encontrar dezenas delas. Mas um comercial que está sendo vinculado por estes tempos de Natal mostra pessoas voltando pra casa. Isso não tem preço. Pessoas se encontrando, se abraçando depois de tempos e tempos sem se tocar. Se tocar. Isso não tem preço. Palavras digitadas nunca chegarão aos pés de um toque, de um abraço. Um abraço acompanhado daquela música então... Isso não tem preço.

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Uma tarde numa véspera de Natal

Minha mãe era uma pessoa especial. Toda mãe é. Mas quem conheceu a minha sabe do que eu estou falando. Era uma guerreira. Eu queria ter herdado metade de sua garra. Mas herdei muita coisa. Quem a conheceu e me conhece sabe do que eu estou falando. E quem é que não se lembra de sua mãe numa data como essa? Me lembro de tanta coisa, mas queria dizer aqui de uma coisa simples, que durante muitos anos me fez ficar com ela num dia como esse.

Dona Laura cozinhava maravilhosamente. Quem a conheceu sabe do que eu estou falando. Mas num dia como esse, ela sempre fazia umas roscas trançadas que acabávamos comendo por toda a semana. Não sei a receita, mas me lembro que uma bolinha da massa era colocada num copo d’água e quando ela subia era sinal que estava na hora de colocar no forno. Era o fermento dando o aviso que a massa havia crescido o suficiente. Não tenho a mínima idéia da razão que fez um menino como eu ter a habilidade de ir batendo aqueles ingredientes, sovar a massa, separar os pedaços e com as mãos ainda pequenas, transformá-los em cilindros deliciosos e, três a três, torná-los uma trança quase perfeita. Em seguida, eu colocava algumas uvas passas naqueles “vales” formados pelos gomos da massa, tomava um pequeno pedaço de gaze, embebia numa gema de ovo e besuntava cada uma das roscas. Isso as fariam ficar coradas e vistosas.

Participei desse ritual por muitos e muitos anos. Comecei ainda menino e já muito maior que minha mãe ainda a ajudava. Ela sempre falava que eu fazia muito bem. Não sei se era isso mesmo ou se ela dizia isso pra me agradar. O fato é que eu achava que era bom no assunto. O fato é que eu fazia aquilo não pelas roscas, não pelos elogios. Fazia mesmo pra ficar com ela na cozinha. Fazia pra escutar a voz dela me direcionando. Ficava ali, curtindo aquele tempo, farinha de trigo para todo o lado, um copo de vinho tinto por perto. Ficava beliscando a massa crua e ouvindo ela dizer que aquilo iria crescer na minha barriga. Era muito bom mesmo.

E então, sempre num dia como esse, essa é uma recordação que me vem. As vésperas de Natal eram assim. O presépio estava lá na sala, com o pescador com um peixe sobre a lâmina de espelho e muita serragem em volta. O Menino Jesus só seria colocado na manjedoura à meia noite. Eu fazia questão de me encarregar disso. O dia passava lento e a noite não chegava nunca. A cozinha vivia com pessoas que queriam saber dos preparativos, que queriam tomar um café.

Hoje os dias passam rápido demais. Não sei nem como iniciar a preparação de uma daquelas roscas. Eu deveria ter me esforçado mais e aprendido tudo delas e não só dar-lhes forma. Talvez eu estaria agora preparando uma fornada, ao invés de escrever essas palavras. Eu deveria ter dito a ela o quanto gostava daquelas horas, mas não disse. Não sei qual seria a palavra ideal pra descrever essa falta minha. Sempre fui ruim em vocalizar as palavras, sempre preferi escrevê-las. Mas acho que eu deveria ter dito. Eu deveria ter feito muitas outras coisas.

sábado, dezembro 22, 2007

Sem título

Tempestades em seus olhos

Tempo não mais

Mar não mais

Tempestades em seus olhos

Céu negro do Atlântico

Não mais

E os olhos, e os olhos...


sexta-feira, dezembro 21, 2007

It Never Entered My Mind

Poucos dias após eu postar aqui “Prosas Curtas sobre Separações – 2” recebi retornos. As pessoas continuam tímidas e não deixam comentários. Apenas me falam, comentam. Aí, disse que a intenção seria publicar em papel esta série de pequenos contos. Disse que poderia inclusive traçar ao final uma ficha técnica das obras de arte citadas. Para que as pessoas pudessem ir procurar e sentir um pouco além que a simples leitura do texto. Acharam ótima idéia. Talvez me dê trabalho, mas para este post, faço aqui então, a inclusão, a pedidos. A música é um clássico. Rodgers e Hart foram uma dupla de autores (música e letra) que povoaram filmes e filmes que, com certeza, todos nós já vimos e ouvimos. Aqui, e na prosa, é Miles Davis quem maravilhosamente a expõe em seu trompete tocado na vertical. No link, esqueça o vídeo. Apenas escute a música.

Música: “It Never Entered My Mind”

Autores: Richards Rodgers e Lorentz Hart

Intérprete: Miles Davis

Também foi tema do filme “Noiva em Fuga” com Linda Roberts e Richard Gere

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Perdido

Nexo

Onde

Plexo

Podre

Sexo

Pobre

Sobre

Mim


Louco

Aqui

Peito

Morto

Seio

Miseravelmente longe, longe

Sobre

Ti

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Prosas curtas sobre separações - 2

Há alguns posts atrás incluí um texto que escrevi em 2000. Pra ser mais exato, no dia 21 de Maio. É sobre cinema, é sobre pessoas, é sobre essa coisa a que chamamos viver. É sobre amor, é sobre separação.

Depois que escrevi este texto, resolvi fazer mais. Imaginei fazer uma série. Prosas Curtas sobre Separações. Mas por que o tema? Porque é popular, porque acontece, porque é assim que a vida é. Ao longo dos anos, fui tentando um texto aqui, outro ali. Nada que despertasse aplausos, nada que não fosse assim tão diferente. Mas quis fazer as prosas seguindo uma determinada linha. Quem se atentar, perceberá. Mas algo é claro: tem sempre uma ou mais obras de arte presentes: música, filme, livro, etc. Há sempre um local ou um ambiente que define o clima. Os personagens não têm nomes. Não há referências do que aconteceu e do que acontecerá. Cada um que ler que resolva essa questão.

Então, resolvi publicá-los aqui. Mais uma vez me dizem que estou ausente deste blog. Preciso mesmo estar mais por aqui. Sei que muitos aqui aparecem pra me encontrar. Preciso vir mais. Assim, vou publicar este que já é o segundo (o primeiro, O Último Cinema do Centro pode ser lido por este link). Prometo publicar os demais a cada mês. E, de repente, até escrever mais alguns dentro do mesmo tema.

Aguardo os comentários dos que aqui vem me encontrar.


It Never Entered My Mind

Eram quase onze horas da noite quando a porta bateu às suas costas. A cada lance descido da escada um quase tombo, que seria provocado pela irregularidade entre um degrau e outro, formando um leque de sombras e luzes amareladas. Quando chegou ao térreo, a respiração que já estava difícil pelas narinas entupidas, pareceu piorar pelo esforço de saltar pelos degraus, fazer as curvas nos patamares, se assustar pelos quase tombos. Novamente aquele térreo de luzes apagadas e a procura pelo interruptor do porteiro eletrônico que abria a porta. A tentativa que começou com uma carícia na parede logo se revelou em tapas nervosos que, claro, resultaram na abertura da porta. Esta foi preciso puxar para ser fechada.

Já não chovia mais. O chão da calçada e da rua estava molhado como se alguém o houvesse lavado e puxado a água com um rodo. Não havia enxurrada e as nuvens brancas e baixas se movimentavam em alta velocidade, mostrando que logo o céu se abriria para as estrelas. Mesmo assim, empurrada pelos largos e apressados passos, a água do piso subia pela sola e molhava a parte de cima dos sapatos da cor da roupa daqueles estrangeiros que vão à África em filmes antigos. A água tornava o bico dos sapatos em marrons quase pretos, mas nenhum pingo manchara o resto da roupa. 

Antes de entrar num bar, estilo café – destes de onde as pessoas pouco vêem a rua e de fora não se sabe como está lá dentro –, olhou para os sapatos e, por um átimo de tempo, aquela mancha marron se tornou o principal problema de sua vida. Se arrependeu por os calçar naquela noite, como se soubesse que choveria. Dentro do bar, ninguém se importara pelas manchas marron-escuras num par de sapatos cansados e destituídos de alguma postura nobre e elegante; até porque logo ficariam escondidos por debaixo do estribo do balcão.

O cara que servia bebidas não era o de sempre. Pensou em perguntar onde ele estava, pois um rosto conhecido até que seria bom naquela hora. Mas desistiu. Devia ser o dia de folga, devia estar gripado em casa, devia ter achado coisa melhor que ficar escutando conversa de bêbado. Só pediu uma vodka com limão e girou o pescoço à sua volta para perceber se o haviam percebido. Mas cada pessoa do bar, cada grupo de pessoas só estava interessada no seu micro ambiente. O barulho de copos, de conversas, o barulho de um bar deste tipo as fazia se juntar para compartilhar o assunto. [Não conseguia entender o que tinha acontecido naquela noite. Aquilo não entrava na sua cabeça.] Um surpreendente trompete de Miles Davis – parecia até milagre escutá-lo ali, como na trilha sonora de um filme europeu – desviou sua procura visual pelo ambiente para a atenção auditiva. Tinha quase certeza que aquela música havia sido tema de algum filme. Quis tentar lembrar do nome, o ator, quando havia assistido, mas a atenção se desviou para as pessoas. Então, começou a perceber as palavras de sedução de um casal ao seu lado. Ela de pé, brincando com o salto alto no estribo do balcão e ele sentado no banco, para nivelar os rostos e as palavras. Aquela velha conversa de melhor mulher do mundo, de amor eterno, razão de uma vida... O piano compunha com a bateria tocada com aquelas vassourinhas, dando suavidade à melodia do trompete. E sua memória, já embalada pela vodka, viajou por lembranças, por sons parecidos com aqueles, por palavras parecidas com aquelas, por gestos parecidos com aqueles.

Quando olhou para os lados, não havia mais Miles Davis, nem casal encostado no balcão. Apenas dois homens e uma mulher numa mesa do fundo jogavam fardos de fumaça ao ar pesado que os rodeava. O cara que serviu sua vodka pedia com os olhos que todos fossem embora, que o deixasse ir dormir, largar seu corpo cansado num magro colchão num bagunçado quarto qualquer. Ao pagar a conta é que percebeu que não havia tomado apenas uma vodka. Desconfiou do cara, achou que ele estava querendo cobrar mais que o devido, mas pagou e saiu. E teve a certeza que o cara estava certo. O embaralhar dos passos mostrou que não foi uma nem duas vodkas. O cara nem teria interesse em lhe roubar algumas vodkas.

Suas narinas já não estavam entupidas, pois sentia o vento frio da madrugada a entrar por elas, se misturando ao torpor do álcool destilado. Não podia decidir nada, mas o alto teor de coragem a que foi tomado o empurrava rua afora. Quando deu por si, estava em frente ao prédio que horas antes havia deixado. Um cachorro vira-latas acorda assustado, late esganiçadamente, tenta mostrar posse do lugar próximo à entrada do prédio, mas foge buscando outro lugar para terminar a noite. Os latidos do cão são os únicos sons que podem ser ouvidos na rua afastada e quieta daquele bairro. Apenas eventualmente um carro passa pela rua transversal, com mais movimento já que era uma das ligações com o centro da cidade. Não mais que os sons abafados e afastados que uma cidade emite podia ser ouvido. Era tanto silêncio que, se tentasse, poderia ouvir o ressonar das pessoas dormindo naquele prédio. Afinal eram apenas três andares de um prédio construído bem no alinhamento da rua, com as janelas dos apartamentos voltadas para ela.

Para ter mais visão da fachada do prédio, atravessou a rua, sentou-se na mureta de uma casa, levantou os olhos, buscou a janela mais à esquerda do último apartamento do último andar. As luzes estavam apagadas. Todas as luzes de todos os apartamentos estavam apagadas. Tentava imaginar como estaria o interior do quarto. Se haveria roupas espalhadas pelo chão, se a porta estaria aberta, se haveria perfumes e cheiros. Se havia sons. Se lembrou de Miles Davis e o casal cheio de conversas e intenções. Se lembrou do cara que servia bebidas no bar e sua vontade de ir para casa. Talvez nem teria chegado ao seu magro colchão àquela hora. Se lembrou dos bicos de seus sapatos, encharcados e manchados. Olhou para eles e estavam secos. Seus olhos também não estavam mais molhados. Suas narinas também não estavam mais entupidas. Não entedia a razão, mas se sentia bem. Se fosse num script de um filme metido a sério, talvez tentasse alguma coisa. Um grito, um tiro, um ato qualquer. Mas a única coisa a fazer era se recostar no gramado da casa, também já seco, que se erguia num talude da mureta até uma varanda no alto, cercada por grades, como uma grande gaiola sem pássaros. Ficou a olhar para a fachada do prédio.

As manhãs dos longos dias de Dezembro começam bem cedo e o Sol aquece toda a cidade que se movimenta, agita e faz barulho. Não só a rua transversal agora está movimentada. A cidade toda se envolve numa busca frenética por algo. Molhada pela chuva do dia anterior e aquecida pelo Sol, a grama do talude cresce.

sábado, dezembro 15, 2007

Float on

Recentemente, falei de uns caras dos anos 70 e ninguém sabia quem eram. Os anos 70 foram especiais e provavelmente, virei aqui ainda falar deles. Os caras que digo eram quatro negrões, com as vozes impecáveis que, pelo que me lembro, só fizeram um único sucesso. A música era “Float on” e o grupo se chamava The Floaters. Com esse nome parece que a intenção era essa mesmo.

A música é lindíssima. Alguém dirá que é repetitiva ou qualquer outra coisa. Tenho comigo uma versão ainda maior, de quase doze minutos e de vez em quando a coloco pra tocar no talo. Alguém que não tenha passado pelos anos 70, ao observar as roupas e a coreografia dos caras certamente achará simplesmente ridículas. E são mesmo. Mas quem não foi ridículo um dia?

sábado, novembro 24, 2007

Reto

Eu já havia escutado, mas apenas fui ler suas palavras por volta dos vinte anos. É um poema conhecido que Fernando Pessoa escreveu sob o heteronômio de Álvaro de Campos. Quando o li, ele estava num quadro da parede do apartamento do avô do Luiz Eduardo, o professor Milton Porto. Não sei mais dizer porque eu e o Sílvio íamos estudar na casa do avô dele. Mas era um apartamento grande, antigo, com salas amplas, no centro da cidade. Quando vi aquele quadrinho com um poema escrito, fiquei curioso. Por que alguém o colocaria ali, emoldurado? E por que esse e não tantos outros do Fernando Pessoa? Ou do Drummond? Ou do Bandeira?

O tempo passou, li mais Fernando Pessoa e este poema sempre me vem à mão. Hoje o entendo melhor, o sinto melhor. Os que me lerem aqui poderão entender do que eu falo, se já se sentiram como no poema. Alguém que tenha fugido para fora da possibilidade do soco. Outros que me lerem, talvez como o universitário que visitou o apartamento do professor Milton, provavelmente não irão captar, como eu não captei na época, a garganta travada, o gosto na boca, o sangue a premer as artérias. Terão antes que ter levado porrada.

Poema em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo.

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,

Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,

Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

sábado, novembro 17, 2007

Sábado

Saca

Se

Saio-me

Suficientemente

Sucinto:

Somente Saio Sábado

Se Soluciono Segredos

Sensações, Sentimentos.

Só Se Souber Subir Sacadas.

Só Se Sentir Saudades.

Só Se Ser

O Céu.

sexta-feira, novembro 02, 2007

Jaz

Tem coisas complicadas de entender. Física Quântica, letra de médico, cabeça de mulher. Mas tem outras mais complicadas ainda. Viver. Vai entender! Viver é complicado, demanda negociação, necessita de estômago, carece de paciência. Mas tem hora que é difícil mesmo.

Neste Finados, uma foto na web traduz bem isso. Uma pessoa mandou colocar um epitáfio em seu túmulo dizendo: Aqui jaz um homem que morreu de saco cheio. Quando li, fiquei imaginando sua decepção com a oportunidade que lhe foi dada. Tudo deve ter dado ao contrário do que ele imaginava. Queria ter ido por um caminho, mas os ventos, as forças incontroláveis o levaram para outro. Queria ter vivido de um jeito, mas viveu de outro. Queria ter dormido com Marina, mas acabou com Dorvalina. Queria ter sido ourives, mas foi ser funcionário público. Será que foi assim? O que teria lhe deixado de saco cheio? O que lhe enchia o saco? O que nos enche o saco?

Viver de saco cheio não é bom. Morrer deve ser pior.

sábado, setembro 15, 2007

Audaz e Preto Comedor de Asfalto Preto

Outro dia foi aniversário do Tribuna. Gregário que é, ele chamou alguns seletos amigos para um bar. Depois continuamos a conversar. E conversar e conversar. Tanto que fomos expulsos do bar, pois os funcionários e o gerente queriam ir dormir. Acabamos indo para outro. E conversamos. Falei sobre escrever com o Júnior. E acabei me lembrando de um texto que escrevi em Julho de 2000, que resolvi publicar aqui. É um texto que fala muito, que conversa, que fala de conversa. É um texto feito sob inspiração de uma música de Fernando Brant e Toninho Horta, “Manuel, o Audaz”. E essa coisa de conversar é que me motivou a escrever isso aqui. E quem sabe, pode motivar mais alguém também. Tá aí.


Audaz e Preto Comedor de Asfalto Preto


Se fôssemos o Fernando Brant e o Toninho Horta, talvez o chamaríamos de Manuel, o Audaz. Mas perto da música que eles faziam, não éramos ninguém. Audazes éramos nós.

Não era um Jipe que rasgava as estradas de terra, pelos cerrados. Era apenas um Chevette preto. Potente, sim. Mas um Chevette. Preto. Comparado aos carros de mil cilindradas de hoje, com a sua tecnologia avançada, aquele era um dinossauro. Está certo. Tudo bem. Um Velociraptor. Mas era um dinossauro. Não estava extinto, mas em breve seria. Grunhia toda vez que o Júnior lhe premia o acelerador. Grunhia, mas respondia com sua potência e sua raiva, como se em suas entranhas de aço só houvesse lembranças que lhe atacassem a alma. Sua alma de alguns cilíndricos cúbicos urrava toda vez que tentávamos uma conversa amigável com ele. Júnior conversava diretamente com ele, passava a mão em sua cabeça, lhe dizia palavras de conforto, mas mesmo assim, ele não ouvia. Insistia em nos levar para o mau caminho. O tapete preto de asfalto que lhe aparecia à frente era o convite. Um convite que lhe era insaciável. A noite preta, a noite fria não era nada perto daquela superfície. A textura, a microvilosidade, a composição de pedras britadas com o betume, com o resto do sangue dos dinossauros, lhe traziam sensações, vibrações em seus cilindros que na hora não captávamos. Só depois é que o compreendíamos.

Um dia, o Júnior disse que iria lhe tirar alguma peça, um parafuso ou sei lá o que do escapamento. Uma peça que de certa forma deixava o barulho do motor mais, digamos assim, civilizado. Civilização era o que não queríamos naquela hora. Então era uma ótima idéia. Sem civilidade, enfim, fomos nós. Comendo o tapete preto do asfalto. As pessoas na rua nos olhavam com censura, e era isso que nós adorávamos. O ruído do motor do Chevette entrava pelo compartimento interno, no habitáculo, de tal forma que quase não podíamos conversar. Mas para que queríamos conversar!... Eu e o Júnior não conversávamos naquela hora, até por que ele dirigia. E eu, de certa forma, conversava com o Chevette. Escutava suas palavras, seus gritos. Entendia seu ponto de vista. Seus faróis iluminando e embranquecendo o preto do asfalto era como uma tela de cinema, a refletir a projeção de um filme já visto. John Lennon cantava no toca-fitas e sua voz falava de um herói da classe operária. Lembrei-me por um átimo dos homens que construíram aquele tapete. E assim, por um átimo, deles me esqueci. Tentei me imaginar vinte anos à frente daquele tempo. Não vi ninguém. Não consegui ver um homem de poucos cabelos, fios brancos na barba, pele flácida na face. Não consegui enxergar o homem que estaria relembrando aquele mesmo momento. Nada vi naquele momento além do tapete preto a ser engolido pelo “Audaz e Preto Comedor de Asfalto Preto”.

Talvez uns vinte anos depois deste tempo, não sei se passaram tantos anos, ou talvez nem isso, me lembro hoje daquele carro, daquela máquina. Máquina que moveu nossos corpos e, claro, muito mais que isso, moveu nossos corações, nossas almas para frente, como era a única coisa que ele podia realmente fazer. Lembrei-me assim de sua audácia em nos levar à frente de nossas miúdas concepções de nossas vidas. Lembrei-me de sua audácia em nos mostrar que não éramos ninguém, que não viríamos a ser ninguém. Hoje vejo sua audácia de nos mostrar que ser ninguém é ser muito mais que qualquer um gostaria de ser. Aqueles momentos olhando para o preto tapete de asfalto, iluminados pelos faróis sábios do Chevette preto nos deram a visão do que poderíamos encontrar pela frente.

E se hoje eu já nem sei o meu nome, se eu já não sei parar e olhar para frente, mesmo assim eu sei olhar para trás. Vejo o Chevette preto. Seria um Audaz, talvez. Vejo tapetes pretos rolando por baixo de mim. Vejo-o comendo luzes refletidas sobre britas pretas, sobre faixas reflexivas. Vejo o céu preto com pontos reflexivos. Vejo ao lado da nossa viagem o escuro do mato não iluminado.

Não me lembro se o Júnior lhe chamava de um nome próprio. Apenas me lembro que quase como o Manuel, o Chevette preto para mim era o Audaz. E olho para minhas mãos e ainda vejo as marcas escuras de graxa que aquelas peças do escapamento deixavam toda vez que provocávamos o bicho.


sexta-feira, setembro 07, 2007

Luciano Pavarotti

Alguém que carregue uma palavra italiana no nome não pode dizer que nunca tenha se emocionado com uma ópera. Ver uma no Scala de Milão é assunto para apenas alguns privilegiados, mas escutar, via um CD ou então pelo rádio, como antigamente, é algo que não se esquece. Meu pai contava que escutava pelo rádio um tenor chamado Caruso, e que ele era o melhor. Pavarotti concordava com meu pai, mas dizia que tinha feito mais sucesso, tinha ganho mais grana e notoriedade por ter tido mais sorte, pois viveu na época da televisão e da globalização. Talvez por isso eu tenha entrado em contato com a ópera pelas mãos dele. Ou melhor, pela voz dele.

E logo que escutei, me apaixonei. E logo tratei de adquirir um CD do tenor. Foi um dos meus primeiros CDs, numa época que eles ainda eram novidade e estavam começando a substituir os “bolachões” de vinil. Eu o colocava pra rodar e já ia me emocionando. E hoje ainda é assim e sempre será. Pra completar, a memória do meu pai sempre me vem, principalmente quando ouço Vesti la giubba, da ópera Il Pagliacci, de Leoncavallo (veja o vídeo). “Seu” Adelmo sempre arriscava seu italiano pra cantar essa ária e aqueles momentos em que eu escutava ficarão pra sempre nos meus ouvidos.

Alguns puristas da ópera sempre torceram o nariz para o Pavarotti. Diziam mil coisas que não vou escrever aqui. Porque agora queria apenas agradecer a ele por ter me apresentado a esta arte. Pavarotti materializou para mim aquilo que meu pai tanto dizia que era uma maravilha da música. Mas que eu não tinha maturidade suficiente para perceber isso. Hoje meu filho não quer saber de ouvir ópera, mas talvez um dia ele ouça falar de Pavarotti como eu ouvi de Caruso. A fila anda.


sexta-feira, agosto 31, 2007

Feriado

Eu me lembro que em Uberlândia, quando eu era criança, havia desfiles de escolas e militares na avenida principal da cidade nos feriados. Dois feriados bem pertos. O 7 de Setembro e o aniversário da cidade, uma semana antes. Havia desfile nos dois. O de 7 de Setembro era mais rigoroso. Os militares, que exerciam sua ditadura horrorosa sobre o País, mostravam todo o seu poder e sua soberba. Desfilavam batendo forte seus coturnos no asfalto da Av. Afonso Pena. Passavam em frente ao Bar da Mineira, ao Cine Avenida, à Panificadora Pão de Açúcar, à Discolândia. Deixavam claro quem mandava. Eu ficava ali, no meio da multidão, olhando por entre as pessoas, segurando em uma grossa corda de sisal. Eu não imaginava que nos porões da ditadura, pessoas com os mesmo ideais do meu irmão, que havia falecido há poucos anos, estavam sendo subjugadas e torturadas. Eu não sabia de nada.

Mas o feriado do aniversário da cidade era menos formal, sem a característica militar. Eram apenas as escolas que desfilavam. Minha casa ficava numa rua paralela à Afonso Pena, há apenas três quadras. Nela tinha a escola que eu estudava, o Externato Rio Branco. Nos encontrávamos na porta, para irmos todos os alunos juntos, à pé, para a avenida. Quase em frente à minha escola, tinha a casa das irmãs Assis, solteironas donas de um colégio particular, o Kennedy. Era lá que também se reuniam os alunos dele. O Kennedy tinha fanfarra e meu primo Tonho, irmão mais velho do Júnior, tocava bumbo, daqueles bem grandes. Todos nós queríamos tocar também, mas eles eram imensos. Invariavelmente, ele tocava com tanta força que no final do desfile estava lá o Tonho, desfilando com as baquetas sem função, pois havia arrebentado as duas peles que cobriam o bumbo. Eu e o Júnior adorávamos aquilo e comentávamos a força do Tonho.

Tenho uma foto minha desfilando. Me lembro que eu estava no pré-primário, com seis anos. Uma vizinha minha, amiga da família, a Sueli Rosa, estava na segunda série. Eu era imenso de grande para a idade e ela muito pequena. Tão pequena que tinha o apelido de “Grilo”. Colocaram ela na turma do pré-primário e eu na turma do segundo ano. Ela ficou “mordida” de raiva e até hoje se lembra disso.

Normalmente, depois dos desfiles que acabavam tarde, íamos pra casa, minha mãe fazia macarrão, e almoçávamos com acompanhamento de Q-Suco de uva ou framboesa. Meu pai ia cochilar e eu me lembro claramente a forma como ele fazia isso. Deitava na cama, sem tirar os sapatos lustrados, colocava uma perna esticada sobre a outra, um braço sobre o peito e outro dobrado por sobre os olhos. Vejo isso claramente, até hoje.

Eu poderia aqui citar quase uma dezena de lembranças destas datas. Todas elas contribuíram para a formação do meu caráter, desse meu jeito de ser. Lembranças que me fazem o Paulo Duarte e me mantém o mesmo menino grande, cabeçudo e desengonçado que ficava olhando calado para aquelas pessoas passarem perfiladas pelos meus olhos, mesmo sem saber ao certo qual a razão delas fazerem aquilo.

quarta-feira, agosto 15, 2007

Paraíso Que Preciso

Solitária Lua

Reflexivamente nua

Chapa a luz pela janela

Reduz os olhos dela

A gotas gordas de mel

Que toda vez preciso


Janelas d’alma

Barcas de calma

A tranqüilizar este coração

Céu e som

Perfeito diapasão

Mel e bom

Se insinua assim

Bem pertinho

De mim

Por entre o véu

Do céu

Do paraíso